Guilherme Sousa

(Entrevista ao Jorge Almeida realizada em parceria com Sofia Rocha e Silva)

A identidade gráfica da ABC da Cultura

(por Jorge Almeida)

Quando nos encontrámos com o Jorge Almeida para uma conversa à mesa do café, o objectivo era iniciar uma série de artigos sobre design feito em Trás-os-Montes. Embora a ideia não tenha ficado, de todo, posta de lado, acabou por não ter um seguimento desde esse dia. A conversa com o Jorge, no entanto, deu-nos a conhecer melhor a identidade gráfica da ABC da Cultura, que durante a sua curta e atribulada existência em Vila Real acolheu vários concertos e noites de copos, bem como a intenção de criar um novo pólo cultural alternativo na cidade — isto nunca viria a ser mais do que uma intenção.

A ABC da Cultura abriu as portas a 21 de Outubro de 2012 no Palacete de S. Pedro, o mesmo espaço que fora ocupado durante vários anos pela Associação Espontânea, espaço cultural de referência para muitos jovens (e não só) da cidade. Quando o Jorge foi convidado a projectar a identidade gráfica da nova associação, as semelhanças conceptuais e espaciais estavam presentes, ainda para mais tendo em conta que ele já havia trabalhado para a Espontânea. O briefing era aberto, pedia apenas por alto alguns objectos habituais nestes casos: logotipo, cartões, cartazes… O Jorge conta que não teve nenhuma abordagem específica ao projecto — “fui fazendo”, diz — mas que foi formando uma ideia do que a identidade deveria ser. Procurou uma marca estável e duradoura, baseando a identidade no espaço mutável com o tempo, de acordo com os eventos organizados.

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Versão monocromática do logotipo da ABC. (por Jorge Almeida)

Para chegar ao logotipo, o designer partiu da forma de um estranho cubo que se transforma então na marca bidimensional análoga de um espaço tridimensional, onde as letras “ABC” estão subentendidas. O nome foi uma batalha, visto que exigia um afastamento da “tendência infantilizante” que carregava. Isto foi conseguido com um enfoque conceptual na ideia aberta, no espaço que é feito pelas pessoas. Esta ideia de espaço estava presente em todas as manifestações da identidade, garantindo-lhe uma coerência universal que diferenciou a comunicação da ABC da Cultura de qualquer outro espaço da cidade, o que é válido ainda hoje.

Cartaz para o concerto de Messer Chups, na abertura ao pública da ABC da Cultura.
A identidade gráfica é apresentada ao público, juntamente com o espaço.
(por Jorge Almeida)

A grande virtude deste projecto de design estava na sua aplicabilidade ao longo do tempo, sobretudo por pessoas que não o designer. No caso dos cartazes, por exemplo, levantava-se um problema comum neste tipo de modelo de negócio: havia uma grande quantidade de eventos a acontecer semanalmente e o Jorge não ficaria responsável pela elaboração da comunicação destes eventos. Por um lado não havia dinheiro, pelo outro, desenhar cada um dos cartazes necessários era um trabalho demasiado exaustivo. No entanto, os cartazes não foram deixados ao abandono, e a solução foi encontrada num layout fixo que privilegia a identidade, mesmo não sendo a proposta mais elegante. Consistia em duas barras pretas, em cima e em baixo (em alguns casos só se manteve a de cima), onde entrava a informação do local, evento, etc. Entre as duas barras, os responsáveis pelo espaço inseriam uma imagem relacionada. Desta forma, independentemente da cacofonia visual que pudesse resultar da escolha das imagens, existiria sempre um elemento gráfico constante que mantivesse presente a identidade do espaço. Pode parecer demasiado óbvio, e os resultados não eram, certamente, obras-primas, mas o sentido pragmático desta fórmula revelou-se eficaz na implantação da marca. Esta estratégia foi sendo desvirtuada até ser completamente abandonada, já numa fase final da associação.

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Exemplo da utilização da barra de informações, neste caso, apenas na parte superior do cartaz. (Não consegui confirmar quem montou cartaz, mas terá sido feito pelos responsáveis da associação à altura).

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Imagem de divulgação de uma sessão musical, numa fase final da ABC, já com novos responsáveis pelo espaço. A linguagem gráfica original desenvolvida pelo Jorge continuava a funcionar. (por Ilídio Marques)

A identidade da ABC destacou-se por se fundamentar num programa de design, mesmo que bastante simples. Quando comparado ao trabalho desenvolvido noutros espaços com oferta cultural semelhante — como o Club de Vila Real ou até o Teatro — o projecto desenvolvido pelo Jorge demonstrou estar muito mais orientado, um passo à frente em relação a eventuais problemas que certamente iriam surgir. Este pragmatismo, ainda assim, coexistiu com um cunho muito próprio da linguagem gráfica do Jorge, não apenas nos elementos de identidade da associação, como também em casos pontuais, como o cartaz do concerto de abertura, o da I Mostra Vilametal e o da passagem de ano 2012/2013. Os cartazes são, de resto, um plano em que o designer tem vindo a produzir alguns dos seus trabalhos mais interessantes, como a série em continuo progresso de cartazes subtilmente poéticos para os DJ sets de Amazing Zorba.

Mencionando o óbvio, há que reconhecer aqui a profunda integração do trabalho do Jorge com a música, não apenas pela quantidade de projectos realizados para eventos musicais, mas sobretudo pela abordagem contaminante do design em relação ao assunto. Não é uma simples estetização da ocasião; estes cartazes prolongam no tempo o momento efémero da música ao vivo, são um registo prévio de uma performatividade com morte anunciada — são alguns dos documentos gráficos mais importantes a reter em muitos anos de actividade musical em Vila Real.

Cartaz para Amazing Zorba. (por Jorge Almeida)

A identidade gráfica da ABC deve ser entendida nesta acessão — a sua simplicidade e eficácia podem indicar um caminho para muitas iniciativas culturais (mas não só) da cidade, que são prejudicadas por pobres projectos de comunicação. A paisagem literal e metafórica que rodeia estes eventos ainda tem muito por onde crescer, sem que os meios limitados ou as questões de inferioridade geográfica possam ser entendidos como entraves. Mais do que um modelo, este projecto gráfico é uma base sobre a qual se pode construir.

Actualmente o Jorge Almeida desenvolve o seu trabalho no Koiástudio, em parceria com Diogo Bento, com uma produção gráfica orientada principalmente para o objecto editorial impresso e que merece toda a atenção. Em tempo real e nas ruas da cidade pode ser acompanhado, por exemplo, o lançamento gradual de cartazes para o Shortcutz Xpress Vila Real.