A nossa editora favorita é do Brasil

Não é tropical e não dança ‘sambinha’, mas sabemos que nunca diz não a uma água de coco a acompanhar uma alheira. A nossa editora preferida é do Brasil e só lança música tradicional de Trás-os-Montes.

Adorámos o mundo da internet, mas adorámos mais o mundo que aconteceu antes dela. Se esperam ler algo sobre uma editora comum de música, daquelas que vemos por aí às centenas, podem ficar por aqui, pois este artigo não é para vocês. Se estão aqui de mente aberta, à procura de conhecer algo que vos passou completamente ao lado, então percam cinco minutos. Procurem o lenço tradicional da vossa avó, ponham a faixa preta à cinta sob a burnida camisa branca, agarrem um tinto do Douro, um quarto de queijo, uma chouriça bem fumada e um pedaço de broa da cesta do pão. Só assim esta editora fará sentido.

Vamos começar por desmentir o que dissemos, mas não vamos de todo arruinar este artigo porque o acompanhamento gastronómico já salvou tudo. Esta editora não é uma editora, é uma casa que, entre outros feitos gloriosos, edita discos. Ou editou, já que a sua última edição circa 1997. Esta editora (leia-se Casa) só lançou meia dúzia de discos, a maior parte em vinil. Recolhas, chulas, cantares, viras, malhões. A par do farnel, são canções indispensáveis nos campos e vinhas por estes montes acima.

A Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro, outrora Centro Transmontano, foi fundada a 28 de Julho de 1923 no Rio de Janeiro. Esta entidade transmontana tinha por objectivo “congregar todos os filhos da Província de Trás-os-Montes e Alto Douro, residentes no Brasil”, e como casa de povo que era, procurava “torná-los conhecidos e amigos, imanando-os nos princípios da solidariedade humana e identificando-os no amor que devem ter pela região em que nasceram em Portugal”.

Vinda do outro lado do Atlântico, esta comunidade-casa nasceu do encontro casual de três portugueses, ironicamente à porta do Jornal “O Brasil”, num sábado de 1923. João Crisostomo Cruz, jornalista, José de Barros, bancário e escritor, e António Emílio Gonçalves Silvano, comerciante. Bem familiarizados com as novas terras, este trio rapidamente tratou de pregar aos transmontanos espalhados pelo Brasil a possibilidade de criar um clube da terra mãe. Conseguindo reunir cerca de 200 pessoas, deram origem a um importante marco cultural e social para quem tinha depositado a esperança de uma vida melhor além-fronteiras.

A amplitude social desta casa foi vasta. Da ajuda social que foi prestando aos portugueses mais necessitados até à recepção dos conterrâneos refugiados, que em 1975 deixavam para trás lares e haveres em Angola e Moçambique, procurando nos ares quentes do Brasil uma qualidade de vida semelhante à que desfrutavam em terras africanas.

Entre as nobres acções, realçamos a importância deste pequeno catálogo discográfico, espécie de revivalismo musical, que datou um cancioneiro tradicional de 1962 a 1997. Conhecer estas canções é conhecer um pouco da nossa história como povo. No fundo, é a cultura transmontana a gostar dela própria.