Antípodas: para a compreensão da doença complexa

Diz-se daqueles que vivem num lugar diametralmente oposto ao nosso, mas estes antípodas em particular nunca estão muito longe — conhecemo-los bem, mas já os compreendemos melhor. É exactamente por esta razão — compreender melhor — que nasce o projecto Antípodas.

Em 2012, razões profissionais e pessoais fizeram com que Luís dedicasse bastante tempo a ajudar no tratamento da avó que, doente de Parkinson, por uma série de eventualidades, atravessava um período com vários episódios de demência. Percebeu, na altura, que não só era preciso dispensar energia como ter “disponibilidade mental” para lidar com estes momentos, cansativos para quem auxilia e extenuantes para quem os vive, e isso fê-lo querer perceber melhor como ajudar nessas situações. A investigação trouxe-lhe a realização de que afinal havia ideias palpáveis, soluções para os problemas práticos da demência e de doenças associadas, como o Alzheimer. Depois disso, no decorrer de um episódio em particular, começou a pensar que espécie de gatilhos existiam no ambiente que influenciassem mudanças de comportamento no doente — qual era o seu ponto de vista sobre o mundo? Qual era a sua perspectiva e porque é que certas situações ou imagens criavam momentos de agitação?

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Da experiência à estratégia visual

Sendo Luís fotógrafo, essa tentativa de se colocar na consciência do doente evoluiu naturalmente para uma procura de estratégias visuais que pudessem ajudar a esclarecer as suas dúvidas e, pela sua partilha, a esclarecer as dúvidas de outrem sobre estas doenças erosivas e de como se “materializam no quotidiano”.

Assim, em Março de 2014, Luís Montanha cria Antípodas, uma reflexão sobre o Alzheimer, metaforizando a doença e a sua acção através da fotografia e do som.

Em primeira instância é um projecto didáctico que deve levar o espectador a compreender melhor o tema; num segundo momento é a integração do espectador na perspectiva do doente. Este segundo ponto é, aliás, essencial para que o primeiro se consolide e aí reside o valor da abordagem visual e sonora — porque acrescentam outras camadas para a compreensão da experiência da doença.

Na exposição do Antípodas esse objectivo é alcançado de três maneiras, pela componente fotográfica e a sua desorganização intencional, pela componente sonora que a acompanha (tanto pela faixa MP3 fornecida num leitor individual controlável, tanto pelos sensores espalhados pelo espaço que fornecem estímulos alheios à vontade do espectador), e finalmente pelo conjunto de ambas, uma espécie de “tradução poética e visual” da demência.

Para a componente sonora procurou ajuda de um antigo colega, Pedro Cruz, que, sobre a mesma adianta que queriam “criar memórias sonoras episódicas que se relacionassem com o conteúdo e com a proximidade física das fotografias” no ambiente de exposição. Utilizando o conceito de atenção selectiva, o som procura gerar “um assincronismo” com a imagem ao longo da experiência.

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Crowdfunding e inauguração

Antípodas apresentou ontem uma campanha de crowdfunding cujo resultado visa financiar a produção da exposição (impressão fotográfica e compra de material necessário à concretização sonora que a acompanha). A inauguração está planeada para Viseu, numa co-produção com os Jardins Efémeros e em parceria com o Centro de Apoio ao Alzheimer de Viseu.

Além da exposição, que idealmente se transformará em projecto itinerante, o projecto pretende resultar num livro de autor com todas as fotografias igualmente acompanhadas do conteúdo sonoro associado.