Caloirada aos Montes 24 | 25, Caloiro vs. Wild

Há um fenómeno curioso que acontece ao juntar espírito académico com cidades pequenas. Não digo que Porto ou Coimbra sofram de falta de academismo, muito pelo contrário, mas nas cidades pequenas é diferente — em Vila Real é muito diferente. Um caloiro que venha para Vila Real vem, a maior parte das vezes, sem saber para o que vem. Cai na UTAD como o Bear Grylls na Patagónia e a maior parte deles teria preferido, à partida, estar noutra Universidade qualquer. Mas ao chegar à Caloirada aos Montes é tudo diferente, um caloiro já não é um caloiro qualquer: é um Caloiro de Med Vet, um Caloiro de LEI ou um Caloiro de Biologia. Não andam por aí perdidos nesta cidade demasiado fria, foram adoptados e só dificilmente vão tornar a sair da família UTAD.

A Avenida Carvalho Araújo é um mar negro quando a família se veste a rigor e leva as suas crianças a ver a Monumental Serenata. Esta em particular, pesada, melancólica e digna como só o luto Académico consegue ser, foi povoada de dedicação, reencontros, abraços de amigos que já não se viam há muito tempo, algum romantismo e caloiros e veteranos lado a lado enquanto se ouviam os coimbrenses a actuar. A Serenata é a calma antes da tempestade, o dia nostálgico antes da festa cigana de seis noites, sentem-se os tambores enquanto seguimos para a tenda: os caloiros estão finalmente à solta.

Foi Quem é o Bob? a abrir a semana de concertos. As bandas de covers nascem da resignação, é impossível ouvir o Bob original por isso contentemo-nos de igual maneira com estes que se perguntam todos os anos quem ele é. E toda a gente fica contente sem queixas, mesmo eu não sabia saber tantas letras de cor e o jah que há em mim conseguiu surpreender-me. O vocalista disse-nos depois que sentiu o público em baixo, que havia alguma coisa que os perturbava, acredito, no entanto, que Quem é o Bob? melhorou o ambiente e que foi depois de One Love que os ânimos começaram a subir (e continuaram pelo resto da semana).

Maxsense Dj Ricky fecharam a noite, tivemos funk universitário, pop electrónico e soft drum ‘n bass, como quem diz que podia ser uma passagem em qualquer discoteca em Vila Real. Podem até aparecer a Otherside dos Red Hot Chilli Peppers ou a Wonderwall dos Oasis, potenciando o efeito depressivo do álcool e momentos de melhores amigos para sempre.

Quando entrámos no recinto havia um burro de peluche gigante a jogar beer pong mas a tenda estava vazia. Culpámos Os Porto. Mesmo com o benefício da dúvida e apesar do aspecto festivo dado pelos confetis no final, este concerto foi um verdadeiro atentado à evolução da música portuguesa, salvo quatro ou cinco pessoas que pareciam estar lá para os ouvir, o único momento em que cativaram mais gente foi a passagem para o tema dos Taxi, Chiclete e, relendo esta frase, percebemos o quão deprimente isso é.

Os GNR entraram a seguir. Eu apaixonei-me pelo casaco de veludo azul e quando descobri que o interior do colarinho era vermelho até podia ter atirado o soutien para o palco. Rui Reininho repetiu várias vezes, GNR, os primeiros 30 anos, e esse podia ser o nome do concerto: uma viagem no tempo pelo Grupo Novo Rock com direito a todos os hits que passaram pelas tabelas portuguesas. Foi a Efectivamente que inaugurou o coro do público, seguiram-se PoplessPronúncia do Norte, e a Ana Lee e o seu lótus azul; a Dunas chegou mais no fim. Nunca tinha pensado muito sobre os GNR, mas fosse pelas escolhas de moda do Reininho, fosse pela tortura anterior de Os Porto, este concerto soube bem — era um concerto daqueles em que todos sabem as músicas, ninguém escolheria lá ir se não fosse a Caloirada mas, lá estando, aproveita-se como se não houvesse amanhã.

Desta vez a noite encerrou com Dj Pedro RomeuThe Cousin’s Trip Djs. A família dança até de manhã e os caloiros mais bonitos sobem para os balcões, à solta, provando que não é preciso sair de Vila Real para se saber sobreviver na selva. A nossa atenção, contudo, está no anónimo com máscara de cavalo que bebe cerveja como um verdadeiro equídeo.