Do 25 de Abril ao 15 de Maio

É absurdo, mas servirá apenas de introdução. Nas passadas eleições europeias de 25 de Maio, em Espanha, das cerca de 16 milhões de pessoas que resolveram votar (e já falarei da importância, ou não, desta ação política), mais de 1 milhão depositou a sua confiança numa candidatura nascida duma estranha mistura entre a força das praças e da cidadania e o mediatismo do seu cabeça de cartaz e o culto de personalidade realizado à volta deste. Não me querendo alongar neste assunto das “europeias”, apenas gostaria de referir que, depois de 40 anos de “Fransição”, o bipartido — subsituto natural, neste contexto, do partido único — pela primeira vez não obtém sequer 50% dos votos. Não devemos regozijar em absoluto, até porque um dos dois partidos (leia-se máfia) que o compõe é de extrema-direita. Quando se fala em Lepen’s e afins (obsceno, asqueroso e perigosíssimo), parece que nos esquecemos que esse mesmo extremismo machista, racista, classista, já está presente em todas as instituições políticas, económicas, sociais e culturais deste país, sem que haja manchetes “preocupadas” a denunciá-lo.

foto Pedro Armestre / 15M em Espanha

foto Pedro Armestre / 15M em Espanha

Façamos, então, o regresso ao futuro e recordemos utópicas, o ano e meio que se viveu a seguir ao 25 de Abril de 1974. Aquilo a que alguns chamam, odiosamente, ameaça vermelha da ditadura comunista que se alimenta de criancinhas, e outros lembram saudosistas, de forma quase sebastionista, como PREC. Ora, colocando de lado siglas e a reação, temos as ocupações do Espaço e do Tempo pelas pessoas, a conquista da Liberdade. A cada assembleia acalorada, em todos os abraços solidários se construia a democracia. O viver com o bem que a todos pertence e que por todos é gerido.

Não chega afirmar, como tantas vezes o faço, que a culpa é do 25 de Novembro de 1975. Visão demasiado simplista e, mais uma vez como “bom português”, pervertida do mais básico saudosismo milenarista — Que venha o Bem! Que saudades do Mal! e por aí fora. Este sentimento, tão portuguesinho de que nada se resolverá a não ser por um imberbe que se “perdeu” há mais de 700 anos nas areias do deserto. Como diz o outro, “Que dia é hoje?” A que anjo milenar ou nosferatu agradeceremos ou culparemos hoje? Quem será o responsável do amanhã ser igual a ontem?

Sem ser simplista, mas sendo o mais simples possível, porque para complicações já me chegam as dos cobardes e glutões analistas e demais pombinhas de propaganda do regime, basta, dizia eu sendo simples, basta voltar a ocupar! A reconquista, desta vez ateia, ou laica pelo menos, do Tempo e do Espaço. A liberdade para ser e estar. Respeito e solidariedade como essencia fundamental da sociedade. Foi isto, que a “indignação”, em Espanha, compreendeu finalmente. Sem siglas ou ismos. Sair à rua e lutar pelo bem comum, pelo que nos rodeia, pelo futuro, mas também pelo presente, nunca esquecendo o passado e os seus crimes, que voltam a aparecer nas sombrias esquadras e por detrás de armaduras e capacetes azuis, despejos, rusgas racistas, perda de direitos da mulher e presos políticos. Sim. Sem contabilizar tantos outros, desde 22 de Março que temos um companheiro detido nas masmorras do sistema (enquanto escrevia mais duas pessoas foram condenadas a três anos de prisão por participar num piquete da greve de 29 de Maio de 2012).

É no mínimo estranho viver numa realidade em que que se respira Abril ou Maio (é a “mesma coisa” sem o MFA), mas estar tudo cinzento como na época do general e do contabilista assassinos. Sinais do tempo em que os regimes se dinamizaram mais rápido e inteligentemente que a cidadania. Estes regimes, de tempo a tempo, permitem à cidadania salpicar o preto e branco com as cores do arco iris dando, assim, a aparência de uma sociedade livre. Deixam a mulher sair de casa, para trabalhar e se “photoshopar” para o macho, claro, porque isso de ser livre já é outra conversa, e até os “pretos” já se podem passear nas mesmas ruas que os restantes, sem os mesmo direitos e com mais deveres, porém já não levam com a chibata em público, da senzala “viajaram” até ao gueto (espero que fique claro não pretender ofender ninguém, mas sim, apontar o racismo atroz existente na sociedade patriarcal branca).

Não chega! E cada vez mais milhões de cidadãs o percebem, sentem, denunciam e rejeitam. Não é uma utopia longíqua que se quer conquistar. É o agora e o ágora que queremos. Construir algo que os cinzentos nem sonham ser possível. A reação perde a sua razão de ser, porque nem sequer compreende a ação. Já nem é uma reação, apenas impulsos repressores. Perigosos e fascistas como é óbvio, mas apenas os últimos estremunhos de um moribundo. Por isto, sem pôr em causa que é uma luta obviamente difícil, será tanto mais fácil quanto o quisermos, porque já saímos do molde. As suas formas repressivas e que custam a vida de muitas companheiras estão completamente desenquadradas da realidade.

foto Pedro Armestre / 15M em Espanha

foto Pedro Armestre / 15M em Espanha

Isto não é uma crença nem tampouco uma evidência mas, repito, basta voltar a ocupar! Entre tantas outras armas que temos à disposição, considero o voto — no atual contexto anti-democrático, num regime de totalitarismo tecnocrático e de cariz puramente financeiro, ou seja, são os exceis de engravatados e restantes combinações binárias em computadores que nos governam — uma das mais prescindíveis. A não ser que, voltando ao exemplo espanhol, sejam estas últimas eleições europeias, sejam as CUP na Catalunha, ou a Carta pela Democracia, esse voto esteja sustentado — não na representatividade e, consequente, desresponsabilização civil — mas na desobediência total ao antigo regime. Ocupar, repito! As escolas para que deixem de ser centros de estágio infantis para o mercado de trabalho e voltem a abraçar os valores da modernidade. Os centros de saúde para que esta seja, finalmente, universal a todo o ser humano, independemente de ter ou não um papel que o credite como burocraticamente viável para viver. As casas, porque a habitação digna é um direito fundamental e não podemos permitir a sua especulação. As universidades devem, também, deixar de ser simples emissoras de canudos e regressarem à investigação progressista e de vanguarda. Os campos não podem ser de golf ou reservas de caça. As fábricas devem ser reestruturadas para produzir apenas o suficiente e melhorando o ecossistema. Por fim, os centros de decisão devem ser, também, ocupados ou pelo menos ignorados pela sua antiguidade e combatidos quando reprimem.

Concluo, portanto, que o 25 de Abril está vivo e recomenda-se, mas não em Portugal. Aí, o adormecer zombie dos 3F’s versão neoliberal tem que levar uma injeção na nalga para que despertemos da apatia e nos “juntemos” à maré quinzemaista.