Entrevista | Freshkitos

A alguns dias do seu 10º aniversário, entrevistámos os Freshkitos, a dupla de DJ’s do Porto formada por Gustavo Pereira e Filipe Rodrigues. Não era por acaso que estavam em Vila Real, era mais uma noite de Caloirada aos Montes, a 27 de Outubro. Quisemos saber mais sobre ser DJ em Portugal, sobre o GARE e o seu cartaz estrondoso dos últimos anos, sobre fazer coisas novas num meio tão peculiar.

imagem via facebook Freshkitos

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Nos dias que correm, a tecnologia revolucionou a coisa e, para algumas pessoas, banalizou o conceito de DJ. O que é que vocês acham disso? São a favor da evolução, e acham que ela ajudou os DJ’s, ou mascarou os artistas e abriu a porta a muita gente que não sabe o que está a fazer?

Gustavo Pereira: Acho que isso depende de cada um, ou da honestidade de cada um! De saber utilizar as ferramentas para o bem, e não para o mal, neste caso.
Filipe Rodrigues: Hoje em dia tu para seres DJ se calhar podes usar um software com um disco externo e carregar num syncronize, num programa qualquer, e subir e descer canal e consegues ser DJ e ter uma selecção musical…
Gustavo: Isto se calhar acaba por dar uma ideia errada às novas gerações acerca de “DJ”. Eu tive uma situação engraçada numa escola, fui lá dar um workshopzinho e a certa altura um miúdo diz assim para o outro, no meio lá deles todos, “Pá, não é preciso isto tudo, podes ser DJ, só precisas de um computador e carregas no play…” Porque eu, basicamente, levei os formatos todos, quis-lhes mostrar o que é que era um prato, um gira-discos profissional, um CD profissional, … E também o formato do tracker, do computador, formato digital.

Quando vocês eram mais novos, foi objectivo desde cedo ser DJ, estar ligado à música, ou acabou por aparecer por brincadeira, com os amigos?

Filipe: Acabou por aparecer um bocadinho como brincadeira, mas na altura era mais complicado, não era tão fácil. Dois Technics, e vinil a sério e monobytes… E ver os discos a tombarem um contra o outro, e tudo ao contrário.
Gustavo: Era caro.

À medida que as pessoas ficam mais calejadas e mais conhecidas no meio, devia ser mais normal utilizar vinil?

Gustavo: Nós ainda vamos utilizando, hoje em dia não é fácil encontrar sítios com condições para tocar em vinil.
Filipe: Hoje em dia muito pouca percentagem dos DJ’s conseguem pegar em dois vinis e…
Gustavo: Às vezes pedimos para ter dois pratos lá, chegamos lá, tocamos um disco, o disco começa a saltar ou começa a fazer um feedback.
Filipe: As agulhas estão todas deterioradas, tipo…
Gustavo: Não dá, já se perdeu o conceito e portanto nem há condições para isso, normalmente.

Porque é que o GARE traz cá todos os DJ’s internacionais e os outros sítios não fazem a mesma coisa?

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Filipe: É preciso arriscar um bocadinho, ter um trabalho de base e ter gosto por aquilo que se faz. Ao mesmo tempo tentar inovar, fazer coisas novas e não tentar copiar aquilo que os outros vão tentando fazer e construir.

Nos últimos dois anos, se pensarmos em termos de qualidade, os top 10 mundiais passaram pelo GARE, pelo menos uma vez. O Dubfire o ano passado, pelo menos duas vezes este ano, fico surpreendido porque apesar de tudo é uma casa pequena.

Gustavo: Sim, mas é um trabalho que é feito ali continuamente, é uma aposta, vai-se perder dinheiro, vai-se ganhando, vai-se mantendo esse apostar na música electrónica, somente nisso, no que pode ser house, techno, drum and bass

E é difícil fazer coisas? Há muita gente a impedir coisas boas de acontecer?

Gustavo: O único impedimento que eu vejo é a falta de procura, do facto de ainda ser um bocado marginalizado, a cena electrónica, a cena underground. É fixe ser underground, mas acabas por não ter assim tanta gente fixe, porque pá, tanto vão ouvir um DJ que realmente é badalado, que é uma Nina Kraviz ou um Maceo Plex ou um Jamie Jones, ou whatever… Depois vem um gajo que realmente é bom, que está a despoletar e que nós queremos mostrar isso e as pessoas não dão o devido valor.
Filipe: Eles dizem que são underground mas quando um artista tem menos likes no facebook já falha um bocado. É bonito dizer que o Dubfire é underground, mas na realidade…
Gustavo: No dia a seguir estão a ouvir música brasileira noutro sítio. Isso é o único impedimento, a frustração, que as pessoas aqui ainda são um bocado conservadoras ou um bocado fúteis em relação à música.

Como se contorna isso? Como se impõe, digamos assim, essa novidade às pessoas?

Gustavo: Tentam-se arranjar novas formas de chegar às pessoas e de que as pessoas comecem a achar aquilo fixe.
Filipe: Construir novos artistas, na promoção e na divulgação e perceber que há artistas que estão a chegar lá fora e que também têm de crescer.
Gustavo: A música electrónica está mais acessível a toda a gente.
Filipe: Mesmo assim, há artistas que estão a crescer tanto lá fora e a gente faz de tudo por tudo e aqui parece que não chegam.

Há uma diversidade muito maior na música electrónica do que há no resto dos géneros musicais.

Gustavo: Há dez anos atrás toda a gente sabia, eu sabia, ele sabia, os DJ’s sabiam quais eram os releases, os lançamentos que iam saindo, nós sabíamos. Hoje em dia, “ah saiu um disco deste artista”, já não sabes, já nem te lembras de ir ver… É muita coisa, tens imensa coisa, cada vez tens de fazer mais triagem.