Entrevista | Jibóia

Em vésperas da sua estreia em Vila Real, encontrei-me em Lisboa com Óscar Silva, aka Jibóia. Falámos do percurso de um projecto que tem deixado pouca gente indiferente, tanto em Portugal como lá fora, de uma Lisboa multicultural que é terreno fértil para as especiarias exóticas que Jibóia nos entrega em mão e de um futuro com muitas ideias, para já sintetizadas no segundo EP, agendado para este ano, e que conta novamente com a participação de Ana Miró.

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Como é que nasce uma ideia como Jibóia, aparentemente estranha no panorama da música nacional? Sabe-se que foi à pressão, não é?
Pois, foi mesmo à pressão. Basicamente, o Ricardo e o Cláudio, que são os Cangarra, iam tocar a Évora e convidaram-me. Eu já andava para fazer um projecto sozinho — já toquei em várias bandas, e continuo a tocar — e foi nessa altura em que eu comecei a ouvir essas coisas mais fora. Pelo menos eu não estava habituado a ouvir muito esse tipo de coisas, a procurar mais aquelas influências diferentes. Lembro-me de ouvir o [Omar] Souleyman e ficar assim um bocado “isto é um bocado esquisito!” A partir daí fui procurar uma data de coisas e depois pensei que se era para fazer uma coisa, tinha que ser um desafio para mim. Então, numa viagem que tive com os Cangarra ao 20 XX Vinte, em Guimarães, em que eles iam tocar um mês depois a Évora, convidaram-me para abrir o concerto. Meio em brincadeira, fui buscar essas referências todas e foi por aí, num mês tive de fazer qualquer coisa para tocar nesse concerto. E depois pronto… ainda não consegui parar muito para pensar e ver como é que a coisa se vai desenrolar a seguir, mas tem-se desenrolado muito naturalmente, desde aí, desde essa pressão toda.

É engraçado teres falado no Souleyman, porque era um dos nomes e temas que eu trazia preparado. De certa forma começa-se a notar uma abertura maior para essas influências fora do Ocidente musical, achas que isso é algo novo ou as pessoas já andavam a ouvir isto e só precisavam de alguém que processasse a informação e desse o clique?
As pessoas que gostam de música a sério — que são muitas — mas mais as que têm tempo para gostar de música a sério — que é isso que eu às vezes não tenho — já conheciam a fundo muitas coisas e já havia gente a tocar coisas aqui no Ocidente que nós não conhecíamos assim tão bem. Mas agora sim, acho que houve um boom bem mais generalizado de todo esse tipo de coisas. Provavelmente já havia muita gente que ia procurar à fonte, mas foi preciso talvez aparecer qualquer coisa mais ocidentalizada, a mostrar-te mesmo isso na cara e não teres que ir buscar lá aos confins seja do Médio Oriente ou de África, para que se criasse um bocado a moda. Porque isto depois é assim, vai-se criando esse tipo de coisa. Antes, houve uma altura em que as pessoas quando queriam iam procurar esse tipo de coisas, não lhes era dado assim tão facilmente.

Tu trabalhas aqui em Lisboa, achas que a cidade te influencia? Há um bocado essa imagem criada de uma Lisboa multicultural, isso para ti existe? Nós aqui no Príncipe Real não damos conta, mas basta descer ali até ao Martim Moniz e entramos noutro continente.
Sim, sim! Porque eu apesar de não morar cá — moro nos subúrbios — trabalho aqui, venho para a cidade todos os dias e adoro Lisboa, e Lisboa tem muito isso, sim. Se calhar é coincidência, mas para mim aconteceu mais ou menos ao mesmo tempo (da descoberta musical) essa multiculturalidade… a cidade já é multicultural há muitos anos, mas parece que agora começou a ser mais natural, fala-se mais disso. Estavas a falar no Martim Moniz, por exemplo, e desde que apareceu a praça, desde o mercado de fusão, que já não é aquela cena do multicultural “chunga”, agora já é aquele multicultural cool. Isso não é, de todo, a minha praia, mas esse boom de certeza que tem algo a ver (com a minha música) porque eu sempre vivi aqui e adoro a cidade.

Tu tens ligações tanto à Lovers & Lollypops como à Coronado, que apesar de serem diferentes no seu funcionamento, acabam por se identificar como dois pequenos colectivos que estão a produzir muita música nova e fresca. Achas que a liberdade que isso traz e o contacto com outros músicos dentro do meio moldam a tua música ou olhas para isso como apenas um meio de pôr a tua música cá fora?
A resposta é fácil, molda muito! Eu conheço esse frenesim da Lovers & Lollypops, sendo a Coronado uma coisa mais recente, desde o início dos Lobster — eu andava sempre atrás deles, era tipo roadie — e então, na altura, aquilo não era um veículo para fazer seja o que fosse, aquilo era mesmo um colectivo de pessoal que se juntava, de várias bandas, e que organizava concertos. Ou seja, sem a expressão do colectivo e da vontade de fazer coisas com mais gente, não fazia muito sentido, só fazia sentido assim. Então, para mim é completamente natural. Apesar de conhecer a Lovers desde essa altura, não trabalhei directamente com eles desde essa altura, não tinha uma banda lá, mas depois de Jibóia e de retomar mais o contacto com a Lovers percebo que sim, que continua aquele frenesim, que continua aquela cena entre bandas que tu dizias. Aas é uma questão engraçada, para mim não é só um meio de certeza porque traz aquilo tudo de trás e traz bandas das quais não conheço tantas pessoas mas vou conhecendo, a fazerem coisas juntas. Mas não consigo ver a Lovers a ser um meio para nenhuma banda, se calhar até é, mas eu só vejo frenesim e um monte de pessoas a fazerem coisas juntas. É uma coisa muito livre, por isso influencia-me de certeza.

Jibóia acaba por funcionar muito com esse espírito de colaboração, primeiro com a Ana Miró e depois com o salto para Jibóia Experience no Milhões de Festa. Quando começaste já tinhas a ideia de trabalhar com mais gente, ou foi algo que surgiu naturalmente?
Se falares mesmo do início, aquele mês que eu tive para fazer qualquer coisa, não, aí tinha de ser eu a fazer… Se bem que mais ou menos, sim, nesse início talvez não, porque é a aquela coisa de “eu tenho de fazer qualquer coisa para mostrar”, mas dois dias depois de me pôr a fazer coisas pensei logo (em colaborações). Sempre toquei bateria e nunca fiz música electrónica, então não fazia nada em computador, não tinha nenhuma maneira de pôr um beat numa música. Depois comecei a usar o Casio, porque era o que me andava ali mais à mão, mas dois dias ou três depois pensei logo “pá, isto está a soar-me bem, mas…”. Como sempre toquei com bateria e tudo mais fiquei do tipo “eu vou mas é dizer ao Ricardo para pôr aqui umas batidas nisto”. Aí começou logo a cena das colaborações. Nesse caso não cheguei a fazê-lo, mas basicamente três dias depois de compor uma coisa sozinho eu percebi logo que queria ter mais gente regularmente comigo a fazer coisas.

Quanto ao Jibóia Experience, quem vai ao festival só vê o concerto, o produto final, mas por trás existe toda uma jornada de ensaios e diálogo — o Experience é mesmo uma experiência. Quando chegas ao fim desse processo, repensas a tua música? Ou seja, houve algo ali que mudou na música de Jibóia, ou simplesmente é um capítulo e depois voltas ao ponto de partida?
Sim, tem de haver coisas que mudam. Houve de certeza coisas que mudaram. Mas sim, tento voltar ao ponto de partida. Não do tipo “ok, já fiz isto, isto já foi e não vou fazer nada igual aquilo, não vou reter nada daquilo e vou voltar ao que estava a fazer”, não porque ficam sempre coisas. Mas nessa altura, pelo menos, tentei sempre voltar — até porque aquilo foi uma coisa especial, percebes? Foi e espero que volte a acontecer, porque eu gostei bastante da experiência, mas se acontecer tem de ser bem acontecido, não pode ser às três pancadas como eu às vezes faço as minhas coisas. Aquilo tem que ser uma coisa para ser bem feita, até porque envolve bem mais gente e tem que se ter cuidado com isso. O que eu gostava de fazer era poder criar uma base sólida. Quem soubesse o que é Jibóia sabe o que é, mas depois poder ir fazer o Experience e poder ir fazer uma cena com outra pessoa qualquer, e voltar sempre. Trazendo coisas, mas nunca deixar de construir aquela base. Eu acho que já hoje em dia é difícil para algumas pessoas saberem bem o que é Jibóia, porque há muita gente que só conhece o festival, e aquilo teve uma projecção enorme, havia muita gente que pensava que Jibóia era aquilo. Há pessoas que também pensam que Jibóia é sempre com a Ana, e eu adoro aquilo assim, mas a ideia é que ela participe e que venha mais gente depois participar. Isso às vezes confunde um bocado as pessoas — “O que é Jibóia afinal?”. Eu espero que não, a minha ideia é que isso não se confunda, que se perceba que são coisas diferentes, mas pode confundir. Mas sim, sempre tendo um ponto central que é aquele que eu acho que quero criar. Às vezes é difícil, com tanta coisa a querer-se fazer, criar mesmo essa coerência sozinho, mas é algo que se vai fazendo.

Na altura, ou mesmo agora, já te passou pela cabeça levar o Jibóia Experience para estúdio?
Sim, e há planos para isso. Só que lá está, aquilo foi bem intenso naquele mês, mês e meio. Ensaiar, tocar, meter aquela gente toda junta e saber o que toda a gente precisava. A ideia era gravar logo a seguir, só que depois há confusões, o pessoal dispersa-se, era Verão, então houve aquela onda em que foi tudo para seu lado. A ideia é gravar, e aquilo tem que ser gravado, tem que ser editado, porque acho que faz muito sentido, é uma roupagem muito diferente do que eu faço, por isso acho que deve ficar registado. Só que agora tem de se esperar pela altura certa para gravar, acho que não vale a pena juntar aquela gente toda, só para gravar, e depois cada um para seu lado outra vez. Faz agora sentido quando gravarmos, acontecer mais qualquer coisa, porque é muito difícil juntar tudo, é impossível — uns são do Porto, outros são daqui… Por isso, a acontecer, tem de acontecer mais qualquer coisa nessa altura. E vai acontecer, agora não sei é quando.

Há planos para um LP este ano, não é? O que é que se pode esperar daí?
Um EP, vai ser outro! [risos] É o tal caminho natural que estávamos a falar. O primeiro EP foi basicamente aquela meia hora de música que eu tive de fazer para ir tocar com os outros gajos lá a Évora. Aquilo foi mesmo gravado para ficar registado, porque eu tinha que registar aquilo e partir para outra. Não parti para outra assim tão rápido, como achava que ia partir, mas depois do início da colaboração com a Ana, que já aparece no primeiro EP, tinha muito gosto em gravar qualquer coisa só com ela, porque seria a segunda fase. A primeira fase era uma coisa só minha, se bem que ela aparece numa música. Sempre tivemos essa ideia de agora gravar a “versão Miró”. Depois aconteceram todas estas coisas pelo meio, ou seja, as coisas demoram sempre bem mais tempo do que um gajo quer. Este EP vai ser todo com a Miró, e todo construído muito em torno da voz dela. Pelo que eu estou a ouvir, porque já está quase tudo gravado, estamos agora a misturar, é capaz de ser a coisa mais radiofónica que eu alguma vez fiz. Mas é fixe porque gira muito em torno da voz dela e a ideia é essa, perpetuar essa altura agora com a Miró e apresentá-lo como uma ideia, mas nunca deixando o outro lado.

Voltando ao Milhões de Festa, tu num ano estás a tocar na piscina e no ano a seguir estás a fechar o palco principal. De repente tens o Al Lover a incluir-te na sua lista de melhores do ano. Como é que tu olhas para este crescimento? É tudo muito rápido ou vais sentindo que a coisa está a crescer?
Não, é tudo muito medo! [risos] Só medo. Nunca foi, e não é, meu objectivo crescer para lado nenhum. Nunca fui gajo de fazer objectivos, o que é uma cena estúpida, mas há pessoal que os faz e chega lá porque os faz, e eu devia fazer também mas não faço. Mas é em tudo na vida, as coisas vão andando e logo se vê onde é que chegam. E o medo porque foi o que tu disseste, eu no primeiro ano estava a abrir o festival, à tarde na piscina, e no ano a seguir estava a fechar o festival — o último dia e a última banda do palco principal! Quando olho para isto, só penso “pá, o ano que vem esquece, já não existo”, é mesmo aquela onda daquelas bandas que têm um grande hit e que tocam durante um ano e depois esquece, aquilo nunca mais vai ao lugar. Daí o medo. Mas felizmente, depois do Milhões, continuaram a acontecer coisas e a tal cena do Al Lover, fui tocar lá fora e continuo a fazer o que bem me apetece e as pessoas acho que continuam a… os poucos que curtem continuam a curtir, e isso é que é importante! Por isso, como não faço nada por esforço, não vejo isto com estando a crescer. Está a ser o que me apetece fazer e está a correr bem. Agora, é um bocado estranho, porque nunca tinha sentido a pressão, por exemplo, ao fazer este EP e estou a pensar “foda-se!”, porque é um bocado diferente do outro. Não vou deixar de fazer o que gosto por causa disso, mas é estranho como depois as coisas correm nesse sentido de “Espera aí, bué gente a curtir aquilo e eu agora vou fazer uma cena diferente?” Mas a ideia não é fazer sempre a mesma coisa, por isso logo se vê. Sentes um bocado a pressão ao pensar nisso, mas está-se bem, é a pressão de meia dúzia de macacos!

Para acabar, e para quem não conhece Jibóia, o que podemos esperar do concerto de Quinta-feira?
A ideia é que toda a gente se divirta! Bué! Mas é bué dificíl isso acontecer. [risos] É mesmo difícil. Quer dizer, se calhar a minha visão de “divertir bué” é um bocado fora, um bocado caos, eu gosto mesmo disso. Aliás, Jibóia foi mesmo pensado para isso, não tem assim muito sumo em termos de conceito ou de mensagem, a ideia é que tu te desprendas um bocado. Ou sentes aquilo ou não sentes, a ideia é que o pessoal se desprenda sempre ao vivo. Mas é mesmo dificíl, pensei que era bem mais fácil [risos]. Espero que corra bem! E nunca se sabe, sempre que um gajo pensa que vai acontecer, não acontece, e quando pensas que não vai acontecer, às vezes “wow!”

Jibóia actua no Café-Concerto do Teatro de Vila Real na próxima Quinta-feira, 13 de Fevereiro, numa parceria entre o Teatro de Vila Real e a Covilhete na Mão.