Entrevista | Sequin

Ana Miró voltou ao Café Concerto, desta vez para apresentar o projecto a solo, Sequin, com o qual lançou recentemente o primeiro disco, Penelope. A última vez que ela estivera em Vila Real, com Jibóia, estavam graus negativos, mas agora era quase uma noite de Verão e sentámo-nos no Parque Corgo, enquanto ao fundo se ouviam as pessoas na esplanada. Mesmo cansada, continuava luminosa, falando comigo com a mesma descontracção de quem conversa com os amigos durante o café e respondendo calmamente, com a mesma voz fresca que, minutos antes, fazia ondular os copos em cima das mesas.

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Lançaste Beijing, o single, em Maio do ano passado e, em várias entrevistas mencionas que isto é uma primeira fase, um primeiro disco a solo, apesar de tudo, parece então ter sido um processo bastante pausado, planeado. Foi mesmo ou está a ser um turbilhão e não se percebe logo?

Hm… Inicialmente foi planeado, eu quis fazer qualquer coisa sozinha, e as músicas que saíram para este disco acabaram todas por ser no mesmo registo, daí eu achar que é um primeiro passo no projecto em si. O que acontece é que o processo todo de gravação e edição é muito lento, nunca acompanha o processo criativo não é? Eu faço mais músicas do que aquelas que todo esse mundo está habituado a processar, por isso eu sei que a próxima coisa que vou fazer vai ser um bocadinho diferente. Não é uma coisa que eu planeie muito… Mas sei que vai acontecer, porque eu crio a uma velocidade muito maior do que aquela que dá para pôr cá fora.

A Ana Manuel e o Paulo Catumba criaram esta imagem para o teu disco e agora ela anda pelos ventos da internet, verde e inconfundível. Como é que surgiu a ideia para o aspecto gráfico do projecto?

Quando nós começámos a pensar no que seria a imagem do disco, era para ser a imagem do projecto, de Sequin em geral, porque eu queria que tudo fizesse sentido, que a imagem estivesse muito relacionada com o som, e acho que eles fizeram um trabalho excelente. Todas as ideias que eles me deram inicialmente pareciam perfeitas e acho que a capa resultou muito bem, acho que tem tudo a ver com a música, pelo menos para mim tem, mas mesmo depois de ter sido lançado, toda a gente, em geral, diz que está um bom trabalho. É mesmo uma coisa muito pessoal, eu sinto que eles captaram aquilo que é a música e aquilo que sou eu.

capasequinHá uma entrevista em que falas, penso que acerca de actuar com Jibóia, que procuras ter sempre espaço para experimentar em palco, que manténs muita liberdade durante o concerto. Agora que os concertos se têm multiplicado, como está a reagir esse lado experimental?

É muito diferente, Sequin é um projecto mais definido. Eu não penso muito nisso, porque quando comecei estava a tocar sozinha e tinha de controlar tudo, aí não há mesmo espaço para experimentar mais nada, e se experimento muito vou-me enganar, vai sair esquisito… Porque pop é mesmo assim, é simples, e a simplicidade é o que faz as músicas saírem bonitas, se inventamos muito ou saímos muito do registo que a música pede, já fica estranho. Mas é óbvio que um concerto nunca é igual ao outro, é isso que é tocar ao vivo, senão punha o disco a tocar! Eu gosto muito de experimentar, e Jibóia dá-me muito prazer nisso, porque tenho liberdade para fazer o que quiser, e aqui não, é um desafio, mas é um bom desafio.

Tens o projecto de Jibóia (duo), os Heats (banda) e Sequin. Tens-te multiplicado entre os três, e todos são diferentes, exigem diferentes energias. Em alguma altura achas que o projecto a solo pode vir a sobrepor-se?

Sobrepõe sempre. Sobrepõe mesmo em termos de… Cá está, quando eu trabalho com Jibóia é o projecto do Óscar, eu faço a minha parte e a parte dele sei que está assegurada, não é? Quando estou a trabalhar com banda, tenho toda uma base de pessoas a trabalhar para aquilo e também faço a minha parte. Agora aqui… Aqui sou só eu a fazer todas as partes, então é óbvio que me tira muito mais tempo, mesmo para estar com a banda e com o Óscar, mas, mesmo assim, não consigo abdicar de nenhum projecto porque todos se ajudam, e é isso que eu acho que me faz crescer enquanto artista, é não estar focada só numa coisa, porque senão vou morrer, definitivamente, vou ficar limitada, e será mais diícil trabalhar para cada um.

És natural de Évora, onde tiveste algumas experiências musicais, só depois é que te mudaste para Lisboa. Pela tua experiência, achas que as cidades do interior, mesmo não tendo capacidade de competir com o litoral, valem a pena o investimento musical, cultural, tudo isso, ou, num país tão pequeno, são uma causa sem salvação?

Depende um bocado das pessoas, não é, mesmo dos próprios artistas e das pessoas que estão interessadas em música, teatro, não interessa, qualquer arte. Se não tiveres uma mente muito aberta para aceitar, para estar ao corrente do que se passa lá fora… Acho que esse é o maior problema das cidades pequenas, e eu sentia muito isso, por exemplo, quando eu estava nas minhas bandas anteriores [em Évora], eu tentava puxar as pessoas para ouvirem o máximo de música, mesmo coisas que não tivessem nada a ver, porque ajuda bastante tu teres uma noção do que é que se ouve, do que é as pessoas podem gostar… É uma treta isso das pessoas dizerem que fazem música para eles próprios porque lhes dá bué prazer, que não interessa se as pessoas gostam ou não, é mentira, o que dá prazer, quando fazes música, é quando as pessoas estão a ouvir e sentes que elas se estão a identificar com aquilo que fazes.
Acho que o problema nas cidades pequenas é um bocado esse, é… Para já não existem muitos recursos ou coisas a acontecer, por isso é difícil tu teres contacto e… Mesmo as pessoas que lá vivem, não sentem necessidade de procurar. Isso faz-me um bocado de confusão. Eu senti mesmo muita dificuldade, e foi uma das razões pelas quais eu saí de lá, estava a ficar claustrofóbica. Precisava de ter contacto com outras pessoas. O que é que se está a fazer em Lisboa? O que é que se está a fazer no Porto? O que é que se está a fazer lá fora? Em cidades pequenas acabas por te reduzir àquele grupo de pessoas, e àqueles sítios onde tocas sempre e não se passa mais nada. É um bocado… Não sei. Quando cheguei a Lisboa, senti uma grande liberdade para experimentar, podia fazer tudo o que eu quisesse, havia abertura para isso.
É um bocado estranho. As pessoas gostam do que ouvem lá de fora, mas depois, se descobrem que é português, olham de lado, hmmm isto é português. Há um preconceito, mas depois também não querem ficar pela terrinha. Não sei, não sei.  É estranho para mim voltar a Évora, agora que andámos a tocar em todo o lado, e sentir que as pessoas estão presas no tempo. Está tudo igual. Chego lá, parece que não saí.

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© Gonçalo Duarte

A música alternativa em Portugal é um mundo de homens, por isso quando aparece um projecto como o teu, cujo próprio nome é tão feminino e brilhante, é muito novo, e curioso. Alguma vez sentiste que te tratavam de forma diferente por seres mulher?

Eu acho que sim, mas no bom sentido. Nunca houve essa diferença, é mais pela admiração. Ah, e tal, és gaja, uau, mas é mais por aí. Sempre estive habituada a trabalhar só com rapazes, na música é um bocado difícil arranjar companhias femininas. Agora já vou conhecendo mais raparigas que fazem coisas, o que é fixe!, mas sinceramente não sinto muita necessidade de trabalhar com miúdas… Cá está, é um bocado por aí, as mulheres são mais complexas, umas com as outras então, jesus!, mas é engraçado, eu gosto sempre quando vou àqueles dias da Lovers&Lollypops em que tocam um monte de bandas da Lovers, e eu sou a única rapariga! É bué fixe! Eles ficam bué admirados e perguntam-me por coisas. É engraçado. E tenho sempre imensa gente a querer tocar comigo, o que é incrível, é bué fixe. Eu gostava que houvesse mais raparigas a fazer música em Portugal. Até conheço várias raparigas que têm projectos musicais, e bastante bons, mas não têm coragem, é mesmo por estupidez, mesmo estupidez. Então num país onde não há muitas raparigas a tomarem posse de uma coisa e a levarem-na para frente como frontwoman, não é? Tipo… Iam ser mesmo acarinhadas. Isso é o que sinto. Mesmo pessoas que não gostam da minha música, dão sempre críticas construtivas. Sim, mas existe sempre aquele momento, Olha, és gaja, não és tu que fazes. Existe bué isso, perguntam-me muitas vezes, mas és tu que escreves? És tu que fazes? És tu que compões? Quem é que põe os beats? Sim, sou eu. Óbvio que com a ajuda de um produtor, porque não sou produtora, eu não sei produzir música, mas sei mais ou menos o que é que quero. Existe muito isso… A dúvida.