Feios, Porcos e Maus

5 de Outubro, ainda a família tinha bigode. A foto vem de um Almanaque distante.

Ainda a família tinha bigode. A foto vem de um Almanaque distante.

Entre o síndrome cidade-pequena e capital-de-distrito, Vila Real é um convulsão de opiniões que tornam impossível definir o que nos é identitário (enquanto sãos) em qualquer guia turístico. Há quem nos diga que não somos verdadeiramente transmontanos, que isso só mais para dentro e mais para cima, Vila Real até tem shopping, não é como Trás-os-Montes a sério. Também há aqueles que acham que pouco ou nada temos de cidade (a esses, commumente conhecidos como citadinos ferrenhos, dá-se o benefício da dúvida porque, perdoai-lhes Senhor, falam da sua alta-ignorância de quem nunca pisou terra batida).

Mas o que acham os vilarealenses de Vila Real é uma odisseia para ser bem contada, embelezada de vez em quando, não descuidando o bom sentido crítico — e algum escárnio — da província quinhentista. Não havendo tempo nesta coluna para isso, descrevo-os como os há: como em tudo, há os feios, os porcos e os maus.

Os feios são os que não acham nada. Por eles tanto lhes faz, desde que tirem proveito do que se fez, não gostam nem desgostam e mantêm as suas plácidas mentes focadas em si mesmas e na nova piscina, esta medida da capital-de-distrito-cidade-pequena potencia que estes feiinhos de posição neutra sejam mais célebres aqui do que numa cidade maior, e mais célebres aqui do que numa cidade mais pequena. Recostados na sua vida serena, esperam pelo próximo polimento e fazem fila para o diamante, mas a verdade é que chega a todos alguma fealdade, o feio é um objectivo mais do que um modo de vida, porque só é feio quem pode e poder ser feio é outro nível.

Os porcos são aqueles que, regionalismos à parte, acreditam no futuro próspero e na mais-valia de apostar em Vila Real porque este belo planalto tem muito que se lhe diga. Para cá do Marão há os índios e cowboys, os loucos e os namorados, e toda a matéria prima para revoluções culturais, fervorosas e frescas. Mas inovar é uma porcalhice — é o que lhes dizem quando são apanhados num impulso ligeiramente mais sonhador, bombeado por entusiasmo e pirlimpimpim de inocência juvenil. Os porquinhos são a nata da fauna da cidade, eles são o início e o meio das ideias, são eles que andam para a frente e, quem-tem-medo-do-lobo-mau, constroem paredes de lama e favaios.

Os maus são os que acham que não há nada a fazer, os fartos, para quem Vila Real é uma cidade perdida, um poço sem fundo de tédio que nunca, por mais dezenas de séculos que passem, irá acabar, e por isso o melhor é fugir o mais rápido que se pode, embalar a marmita e migrar sem retorno seguindo as brisas salgadas que morrem no alto-espinho. Ora, bem se sabe que ao mínimo sinal de ouro e prata, estes maus voltam em procissão de escalada, Marão acima, para virem ser feios com as suas poupanças cosmopolitas, promovendo-se como agentes rurais, porta-vozes de raiz humilde sempre disponíveis para abrigar qualquer porquinho que não tenha acertado muito bem na arte da areia e água. Os maus parecem-se com os feios, mas portam-se pior: só vêm a casa quando lhes bem interessa e domingos no interior só na Páscoa.

Quando a fortuna de Giacinto é esta cidade Real, somos a família disfuncional que não come com os talheres e difama a prima que chega atrasada. Mas só fala mal desta família quem a conhece, porque entre os feios, porcos e maus ninguém mete a colher sem que lhe seja espetado um cajado.

É, porém, este o tempo certo, este em que se encontram os três na mesma casa e, finalmente, com os mesmos objectivos. Vir para ficar, ir para definitivamente voltar. Estes a quem Torga deixa nostalgia e motivação quando fala do Reino Maravilhoso, as nossas montanhas balançantes, de clima extremista e uvas de todas as cores, mais próximo da imaginação do que da realidade, quais Jardins da Babilónia com estevas e mimosas em flor.

Comentários

  1. Sofia diz:

    Este pequeno artigo/texto é de uma riqueza extraordinária. ;)

  2. Pedro diz:

    Dos textos mais despretenciosamente belos e genuínos. Espero ler mais de ti