No bar com os Supertramp

3689028903_299ecabc99_z

São quatro e, com as suas barbas e cabelos compridos, têm ar de banda tributo a Supertramp. A conversa no entanto inicia menos sofisticada, talvez mais ZZ Top: apostam três contra um em como o garçon é gay. Os trejeitos, certas frases, as bocas, os apertos de mão abundantes e desmesurados aos clientes subtrinta… Um deles, menos disponível ou mais rebarbativo e com ar de vocalista, acha isto fracos argumentos, mas logo outro surge com o testemunho de um primo de uma cunhada de um amigo que viu ou ouviu. O ambiente aquece até à gargalhada solta, mas nenhum dos quatro vai ao ponto de apalpar os fundilhos ao garçon ou de lhe passar um braço langoroso pelos ombros para o testar — aquilo ali não é o Porta dos Fundos.

Contudo, insistem, e a conversa de tasca evolui para tertúlia. Um dos barbudos sugere, colhendo a atenção dos outros, que há algo de «bizarro» na forma como o garçon torce o pescoço à passagem das raparigas, apontando os olhos aos traseiros umas décimas de segundo antes de eles estarem no seu ângulo de visão, a mira antecipando-se à deslocação do alvo, como um atirador experiente em cálculos balísticos, parábolas, resistência do vento, velocidade do projéctil, força da gravidade, etc. «Elas passam», continua, «e ele quase arranca a cabeça dos ombros para não falhar nenhum traseiro ou pernas descobertas». Depois desse dever cumprido, devolve os olhos de imediato ao balcão ou à registadora como se não tivesse havido interrupção, e fica a dúvida se viu alguma coisa.

Seguem-se uns instantes de silêncio e observação.

«É gay», conclui um segundo barbudo, «e olhar é só uma manobra de diversão». Outro observa: «Sim, é gay, mas olha por um mecanismo cultural, foi assim habituado desde pequenino, é como ir à missa, ser do Benfica ou votar no Cavaco, ou o caralho». Roger Hodgson cofia a barba, pensativo, bebe a sua cerveja pelo gargalo e descai na cadeira: «Nã, é apenas o garçon papa-cus-com-os-olhos mais rápido e indiscreto do Nordeste.»