Propostas para um Carnaval ao frio

Pouco mais de uma semana passada sobre o Carnaval, e já com as ruas livres de matrafonas e máscaras de aspecto claramente tóxico compradas nas lojas dos chineses, é chegado o tempo de apanhar as canas e reflectirmos sobre o que se passou. Tá bom, se calhar não é caso para tanto, mas é vontade deste vosso compincha oficializar aqui por escrito, e em rigoroso exclusivo para o IP4, aquilo que todos nós já sabemos mas não queremos admitir: O Carnaval não faz lá grande sentido.

Pelo menos este que importamos do Brasil. Nada contra os carros alegóricos e miúdas jeitosas a dançar semi-desnudas (sou um grande fã de miúdas jeitosas semi-desnudas a bailar) mas Portugal está localizado no hemisfério norte, e isso significa que Fevereiro e Março ainda roça o Inverno. Alguém se lembra de um ano em que as capas dos jornais não digam algo do género “Carnaval sai à rua apesar da chuva”? Pois. No entanto, ano após ano, hipotermia após hipotermia, lá vamos cometendo o mesmo erro. E ninguém faz nada.

Chapéus guarda-chuva são funcionais, mas esteticamente não são opção.

Chapéus guarda-chuva são funcionais, mas esteticamente não são opção.

Sim, eu sei que temos problemas mais sérios para se resolver aqui no burgo, mas o ser humano foi dotado de uma capacidade fantástica de se poder ocupar com mais que uma coisa ao mesmo tempo. E assim, enquanto penso no que raio irei jantar, penso também numa alternativa para tornarmos esta festividade mais racional.

E nem sequer sou pago para isto.
De nada.

Olhando lá para fora, podíamos tomar como exemplo o Carnaval de Veneza, mas além de parecer alta seca, as faustosas indumentárias não combinam com o clima de austeridade em que vivemos. Copiar o famoso Mardi Gras de Nova Orleães (este sim também envolvendo seios à mostra) não seria tão má ideia assim, mas a melhor opção é mesmo olharmos para o interior. Para Trás-os-Montes, sendo mais específico, porque no Reino Maravilhoso há uma tradição associada às festividades carnavalescas que não só é incrivelmente bronca, como é mais antiga do que a nacionalidade, do que a religião cristã ou o próprio Império Romano. Falo-vos dos diabretes armados com varapaus que, por gerações e gerações, saem à rua no Domingo Gordo e Terça-feira de Carnaval para saudar a Primavera e dizer adeus aos tristes dias de Inverno, os Caretos.

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Ou o material de que os pesadelos são feitos

Mafarricos encarnados e trouble makers por uns dias, de máscara rústica feita de couro, madeira ou latão, fato de folhos de ar extremamente confy que não deixa ninguém passar frio e carregados de sinetas e chocalhos, esta personagem do imaginário transmontano é — na impossibilidade de mudar a data da festividade ou inverter a polaridade do planeta — a opção mais viável para o Carnaval português. Os trajes variam um pouco de região para região, mas os mais icónicos, e os meus favoritos, são os de Podence, pela vibe rastafari que os folhos coloridos transmitem.

Apesar do aspecto aterrorizador, o potencial traumático para as crianças não deve andar longe do das matrafonas. Entre um demónio chocalhante e um Tio Costa de salto alto e saia travada, os gastos no psicólogo devem andar ela-por-ela.

É, no entanto, uma tradição machista que precisa de uns ajustes para se inserir na sociedade de igualdade sexual que se pede neste século XXI. Porque, para além das correrias desenfreadas, tainadas, ataque às pipas e desculpa para se ser impiedosamente idiota sem ninguém levar a mal, o grande objectivo do Careto é chocalhar as moçoilas solteiras com movimentos pélvicos viris. Mas se há espaço para os facanitos (caretos crianças) também há-de haver para o conceito de facanita e Careta.

E para terminar em beleza estes dias de regabofe, encher de pança e humpanço em gente desprevenida — e entrar no período de contenção da Quaresma — nada melhor que arranjar um bode expiatório que encarne tudo o que de negativo se passou durante o ano, soltar o pirómano que há em nós e deixa-lo arder alegremente. Sim, está bem, queima-se o Entrudo um pouco por todo o país, mas não se compara ao espetáculo visual da queima do Mega Careto, monumental monstrengo com uns bons oito metros que nos remete imediatamente para aquela cena icónica do filme Wicker Man (se nunca viram, optem pelo original e não o remake pateta em que um Nicholas Cage em baixo de forma é atacado por abelhas).

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Glorioso

Portanto, é um pouco isto minha gente. Deixemos os sambódromos para os climas tropicais e vamos, já no próximo ano, tentar mais paganismo de fatiota quentinha e menos tradições estrangeiras, tá bem?

PS: O site dos Caretos de Podence está muito jeitosinho e lá podem encontrar uma carrada de informação sobre os diabretes coloridos. Há também este documentário de Vítor Salvador com muito bom aspecto, mas para o visualizarem vão ter que se esforçar um pouco vocês mesmo, que mais uma vez, não sou pago para isto.