Sobre o TEDx Vila Real

A semana passada uma youtuber brasileira que costumo seguir, e que tem quase 200.000 subscritores, foi oradora no TEDx Brasília e contava que falar para 100 pessoas a deixava com um frio no estômago, mãos suadas, cara vermelha, todos os sintomas de quem tem medo de falar em público (não fosse ela falar duas vezes por semana para o mundo inteiro). Dizia ela que se sentia assim porque, primeiro, havia muita expectativa sendo um TED, depois, porque a apresentação tinha de ser afinada até à perfeição, atingindo um limite de espontaneidade teatral.

Isto porque as conferências TED são o exemplo paradigmático de boas apresentações públicas; o limite entre o entretenimento e a partilha de informação é completamente difuso e a variedade de oradores estonteante, desde especialistas em estatística e biólogos a inventores curiosos e beatboxers, que têm em comum a capacidade de inspirar, cativar ou desafiar quem os ouve.

Foi por isso com grande agrado que recebemos a notícia da estreia do TEDx Vila Real a 30 de Maio. E estivemos lá, mas infelizmente sem máquina fotográfica, por isso para completar a vossa curiosidade, vejam as fotografias oficiais na página do facebook: facebook.com/tedxvilareal

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O TEDx em Portugal

A história do TED, apesar de curta, é muito densa (basta ter em atenção a quantidade de projectos que dele germinaram — TEDx, TEDGlobal, TED Books e TED Prize para mencionar alguns). O importante de assimilar para entender o que é o TEDx e como é que chegou a Vila Real é que 1. Nenhum evento TED, desde o primeiro, tem fins lucrativos; 2. O x em TEDx é uma nota de rodapé que nos indica que o evento foi organizado independentemente por uma equipa da comunidade (neste caso Vila Real) e que obteve autorização para produzir um evento oficial; 3. Em Portugal o TEDx existe desde 2009 (TEDxEdges, em Lisboa mas com intuito nacional) e passou depois para o Porto, Lisboa, Aveiro, Coimbra, Braga, Viseu, Matosinhos, Famalicão, Cascais, Vimaranes, Barcelos, Leiria, Caldas da Rainha, Santa Maria da Feira, Ofir, Cantanhede, Ponta Delgada, Guimarães, Viana do Castelo, e a lista continua. Isto inclui algumas edições ainda mais específicas como eventos universitários, o TEDx Women ou oTEDxYouth, cujos oradores ainda frequentam o ensino obrigatório.

Acerca do assunto inclusive lia há algumas semanas um antigo artigo do P3 com o título Há espaço para tantos TEDx em Portugal? A resposta é claro que sim. Empiricamente é natural pensar que o TEDx, nascendo do TED, obriga a um evento monumental, mas a ideia do TEDx não é de todo essa. Citando o site oficial do projecto, o programa TEDx é feito para ajudar comunidades, organizações e indivíduos a começar a discussão e a estabelecer ligações através de experiências TED. Ou seja, o TED pode ter a dimensão que tiver, o único objectivo é que fomente a troca de ideias e seja produtivo para a comunidade ou grupo em que se insere.

Em Vila Real

Em Vila Real, o plano de festas foi o seguinte: início previsto às 9h30, Miguel Bernardes, Paulo Vaz de Carvalho, coffee break, Maria Palha, Andresa Salgueiro, almoço, Mário Augusto e Rita, Guilherme Martins, coffee break, Gabriel Leite Mota, João Jorge, Edite Amorim, final previsto às 17h15. Apesar de alguns problemas técnicos, tudo correu muito bem. Se correspondeu às expectativas? É difícil dizer. A primeira frase que ouvi assim que cheguei ao auditório foi “É tão pequenino em relação aos da net, o palco e assim”, dizia uma rapariga à amiga. Bem, mas era um evento para 100 pessoas, no Pequeno Auditório do Teatro de Vila Real, não se podia ter outra expectativa sobre o espaço.

Mas é difícil dizer se correspondeu às expectativas porque as conversas foram muito distintas entre si, algumas melhores, outras piores. Notava-se sobretudo quais os oradores que estavam habituados a falar em público e quais subestimaram essa arte. Não falo de projecção de voz ou posicionamento em relação à iluminação de palco ou outros assuntos mais técnicos, mas questões como olhar para o público ou não lhe virar (demasiado) as costas.

Certo, talvez achem que estou a ser picuinhas e que é tão de louvar haver um TEDx em Vila Real que não se devia ter o direito de escrever algo que não excelente. Suponho que não estava à espera que, para alguns dos oradores, isto fosse tão pouco a sério. Em qualquer vídeo do TED ou TEDx se percebe que é um evento mais ou menos relaxado, sim, não há sequer um dresscode, é a partilha de ideias quase informal, mas, atento aos pormenores, percebemos que essa informalidade é aparente. A apresentação é pensada desde a estrutura às três piadas ditas e por isso é que é tão boa. O improviso treina-se (como tão bem demonstrou Paulo Vaz de Carvalho quando pegou na guitarra).

Os oradores

Peguemos nesse momento para uma descrição mais extensa daquilo que se partilhou no TEDx. O convite a Paulo Vaz de Carvalho parecia ter um objectivo muito definido para a organização: que ele falasse das voltas que a sua vida deu e sobre ter terminado Direito para depois seguir Música e agora viajar pelo mundo dando concertos. O tiro saiu um pouco pela culatra porque, pareceu-nos, este não é um homem que goste minimamente de se vangloriar — em vez disso optou por deixar umas breves palavras sobre a actualidade (dos filhos “um já emigrou, o outro… anda a ver comboios.”) e depois tocar uma peça de improviso. Foi um momento extremamente curioso. Para muita gente foi como estar num café e ouvir o casal ao nosso lado falar muito alto numa língua que não compreendemos, estarão a discutir ou a trocar palavras de amor?

Antes de Paulo Vaz de Carvalho, Miguel Bernardes, o vendedor de beijos, contou (e bem) a história por trás da bebida Chamoa (da qual é brand manager). Além de todas as pessoas do público terem ficado com desejos de licor de amora, também puxou pela emoção e no fim estávamos todos a pensar como era bom estar apaixonado (confesso que sou suspeita por ser uma romântica incurável). Talvez tenha parecido demasiado uma sessão de vendas camuflada de apresentação inspiradora, mas bem, Bernardes ganha a vida como brand manager, não é?

Maria Palha foi provavelmente a oradora que mais me impressionou e por duas razões muito simples: primeiro porque, dado a sua experiência, podia ter feito uma apresentação muito mais sensacionalista e não o fez, depois porque, ao chegar ao fim, não só quis saber mais como a admirei, e acho que a sensação era geral, por, naquele auditório, ser a pessoa que transmitia mais paz mesmo que fosse a única de entre mais de uma centena de pessoas, que tivesse conhecido tantas zonas de guerra. Uma conversa demasiado curta.

Andresa Salgueiro deixou-me inquieta. Talvez por estar numa área profissional em que propostas de trabalho a troco de favores são o pão nosso de cada dia, não me deixou assim tão inspirada ouvir alguém que viveu de trocas para fazer uma experiência enquanto tinha a facilidade de conseguir pagar contas. Por exemplo, para ter comida trabalhou num supermercado, para fazer viagens de comboio, criou o seu posto de trabalho na CP (ajudar turistas nas máquinas) em troca de bilhetes. Em sua defesa, não me pareceu que ela estivesse em negação com esse facto: de que o que fez era, de certa forma, um luxo e foi mais uma viagem pessoal e espiritual do que propriamente para servir de exemplo a alguém. Andresa Salgueiro não nos foi dizer que todos devíamos viver de trocas, mas antes que foi bom para ela ter experimentado. Espero que não tenha havido muitas pessoas no público a quererem experimentar também ou podemos ter uma crise de empregabilidade ainda maior em Vila Real. Além disso, como funciona o IRC das empresas se nos pagarem em géneros?

A apresentação de Mário Augusto e da filha, Rita Bulhosa, acatou bastantes aplausos. Não é todos os dias que conhecemos alguém de 15 anos que, com paralisia cerebral, é tão positiva que nos contagia. Foi um momento colectivo de reflexão. Provavelmente o par de oradores mais publicamente conhecidos (e ouvir a voz do Mário Augusto causa sempre aquela sensação de que vamos ver um trailer a seguir).

Guilherme Martins, enólogo formado pela UTAD e hoje cidadão do mundo, ficou um pouco aquém. Acredito que ele subestimou o quanto o público gostava de o ter ouvido falar sobre a sua profissão, ou que se focasse num só aspecto e nos ensinasse algo novo. Em vez disso falou sucintamente sobre enologia e deixou algumas palavras sobre a sua geração (cursos terminados em 2005) ter emigrado. A minha geração (cursos terminados em 2012) continuou a emigrar, de dois em dois dias sai um novo texto em jornais sobre o assunto. Preferia ter saído a saber mais sobre o que é se pensa na concepção de uma adega (sem ironias) e com vontade de desistir de seja o que for que estou a fazer e seguir enologia.

Depois do segundo coffee break, Gabriel Leite Mota falou sobre a Economia da Felicidade. Eu era daquelas pessoas leigas para quem a apresentação se dirigia porque achava que economia da felicidade era um termo new age sobre como sorrir nos torna mais ricos. Não só não é como é um ramo real da economia e tenta medir índices de felicidade. Foi uma exposição densa mas muito bem estruturada.

Quando João Jorge começou a falar tive a estranha sensação de já o ter visto em qualquer lado. Só no final, quando ele voltou para o seu lugar na plateia, é que percebi que tínhamos sido apresentados pela namorada dele há algumas horas atrás. É, não foi o meu melhor momento. Mas eu estava mesmo contente por encontrar a Alexandra — é que ela tem um novo projecto (chamado à lei na selva) cá em Vila Real e é sempre bom encontrar antigos colegas quem vêm para cá com vontade de fazer coisas. Voltando a João Jorge. Ele veio com ela, de Lisboa para cá, e ficou apaixonado pela nossa cidade. Licenciou-se em Administração Pública, hoje, em teoria trabalha em Nova Iorque como gestor de projectos de Marketing e Desenvolvimento Web, na prática só precisa de internet e isso permite-lhe trabalhar a partir de qualquer lugar. Porque não Vila Real? No fim, a mensagem era esta: Façam. No fundo, uma tentativa de incitar ao empreendedorismo com ar mais ponderado do que bater punho.

Por fim, Edite Amorim, um metro e meio de felicidade concentrada, boa sorte e muitas viagens no currículo. Os aeroportos são praticamente a sua segunda casa e os cafés com wireless o seu escritório oficial. No TEDx ela estava como peixe na água: com histórias para contar (algumas delas mirabolantes), transformou uma mensagem que de outra forma seria lugar-comum (viver mais no momento) em algo perfeitamente alcançável.

O desfecho

É de mencionar que durante o dia também foram exibidos alguns vídeos de passadas TEDtalks e houve três actuações de grupos locais: da academia de dança PT Academy, dos TRASH — Grupo de Percussão do Conservatório Regional de Música de Vila Real e dos Acrolat’in, a Associação Cultural e Recreativa da Orquestra Ligeira.

Esperamos que o TEDx Vila Real seja para repetir, e melhorar a cada edição. A estreia correu sem percalços e há mais do que espaço para o manter a funcionar num regime periódico (talvez anual?). A marca TED é uma das maneiras mais inteligentes de fazer com que o público se interesse mais por conferências, grande parte do trabalho de promoção está feito no nome, e esse degrau automaticamente alcançado não foi subestimado. É mais um exemplo de mudança de ventos em Vila Real, ainda que antes de nós até Santo Tirso tenha feito um TEDx.