Sugestão do mês | Hearts of Darkness

Era uma vez um cineasta com os bolsos e ego inchados depois dos êxitos de The Godfather e The Godfather II, que achou que tinha estaleca para realizar um filme sobre a guerra do Vietname usando como inspiração o malfadado livro de Joseph Conrad, Hearts of Darkness (famoso por já ter frustrado gigantes do mundo da sétima arte como Orson Welles) acabando por levar uma tareia tão grande ao ponto de o deixar na banca-rota e na berma do suicídio.

Sabes que as coisas estão complicadas quando uma bala no crânio é a hipótese mais realista de manteres a tua credibilidade artística.

Sabes que as coisas estão complicadas quando uma bala no crânio é a hipótese mais realista de manteres a tua credibilidade artística

Hearts of Darkness: A Filmmaker’s Apocalypse é  um documentário sobre as rodagens de Apocalypse Now, aquele filme que abre com florestas a serem incineradas à napalmzada enquanto  a The End dos The Doors toca, e que juntamente com a cena da aldeia vietnamita cilindrada por uma cavalgada de helicópteros ao som da Marcha das Valquírias de Wagner estabelece, definitivamente, o Vietname como a guerra com melhor soundtrack de sempre.

Eleanor Coppola, mulher do realizador, foi contratada para documentar a evolução do filme, mas com a ajudinha de George Hickenlooper, Fax Bahr e entrevistas a actores crew, acabou não só com um dos mais incriveis documentos sobre a gravação de um filme, como também com o registo de um segundo Vietname e a viagem reveladora ao interior de um artista em crise, um megalómano guerrilheiro da moralidade incorrumpível disposto a arriscar dinheiro, reputação, sanidade e a própria família pela arte. Habituado a esconder a penugem atrás das câmaras, Coppola é desta vez a personagem principal da trama.

“We were in the jungle, there were too many of us, we had access to too much money, too much equipment, and little by little we went insane”

As gravações nas Filipinas arrastaram-se por uns impensáveis 283 dias, deixando o nosso Francis meio louco com a pressão de um projecto demasiado pretencioso e ambicioso , com uns quilinhos a menos e na boca de todo o jocoso de Hollywood.
Mas verdade seja dita, as coisas não começaram famosas. Chegaram lá cheios de pasta e equipamento mas apenas com um guião para servir de guia, sem um final planeado e naquela do é deixar a inspiração fluir — o que é muito bonito e tal, mas quando há prazos para cumprir nem sempre corre bem.  Depois, acharam por bem trocar o actor principal pelo pai do Charlie Sheen, e a partir daí foi um rodízio de imprevistos e uma representação do que é a Lei de Murphy no seu expoente máximo: uma guerra civil que constantemente interrompia as gravações, tufões a terraplanar cenários, o pai do Charlie Sheen em tão boa forma que teve um ataque cardíaco a meio do caminho, actores secundários constantemente a trippar em tudo o que era droga disponível — mas sejamos sinceros, até que nem correu mal, não é Dennis Hopper? — e para o grand finale, um Marlon Brando gordo como um chibo e sem um pingo de noção, mais preocupado em enfardar tarte do que  em preparar a personagem.

Tudo merda

Tudo merda

Mas o mais incrível é que no fim não só a coisa foi efectivamente terminada, como resulta e faz sentido. Sem tretas, Apocalypse Now é um dos grandes filmes da história do cinema e, após esta espetacular hora e meia a que inadvertidamente deu origem, percebemos que é também um dos mais épicos feitos alcançados em nome da arte.