Entrevista | Tren Go! Soundsystem

Já era noite quando fizemos uma pausa nos concertos para nos encontrámos com Tren Go! Soundsystem (Pedro) e Slide Jane (Inês). Trocámos vários minutos de conversa protegidos do vento pela Sé de Lamego, vendo passar de vez em quando alguns satélites do TRC Zigurfest que saíam para jantar.

Tren Go! Soundsystem + Slide Jane

Tren Go! Soundsystem + Slide Jane

Foste a primeira pessoa a vir de comboio da Madeira para o Continente. [as gargalhadas do Pedro Pestana são impossíveis de pôr em palavras] A partir do teu quarto, da bedroom music, o que é que mantém a locomotiva a andar?
Pedro: Olha, comidinha boa, suminho, ouvir musiquinha, dormir bem, coisas que não acontecem ultimamente mas que… não, por acaso comemos muito bem, dormir é que tenho dormido pouco mas isso é outra história. Ah… Agora vir de comboio para o… [mais gargalhadas] Achei piada à pergunta! Achei piada à pergunta… Hm… Mas vim nas costas de um golfinho, a surfar, nas costas de um golfinho, daqueles que brincam nas partes traseiras do rasto dos navios.

Vieste agarrado a um?
Pedro: Sim, foi, a fazer… Como é que é? Jet ski.

Como é que nasceu Tren Go!?
Pedro: Eu tinha comprado um pedal que dava para fazer loops, para aí em 2004 ou uma coisa assim do género, e já tinha começado a fazer brincadeiras com isso e tal, e já tinha meia dúzia de malhas… Só que a minha banda na altura acabou então depois, olha, comecei a gravar as malhas que estava a fazer em casa, e a dar concertos e não sei quê, e a coisa começou a fazer sentido. A construção das músicas depois comecei a achar paida, construir músicas a partir de loops assim feitos na hora.

E sentiste alguma vez a necessidade de ter mais gente contigo? Ou desde o início que soubeste que ias ser só tu a construir e a apresentar?
Pedro: A ideia do projecto também é um bocado explorar a guitarra. Ou seja, também é um bocado uma questão de linguagem, a cena de construir com loops e tal, mas… A guitarra é uma introdução de um limite, ou seja, sem passares dali daquela gama de frequências, que até não é muito ampla dentro do nosso espectro auditivo, brincares dentro dessa gama de frequências reduzidas e perceberes o que é que podes tirar dali, e trabalhar muito a base da repetição, que também é uma forma de trabalhar quase… Tem um bocado a ver com alguns dos inícios da música electrónica, de certa forma, e é aí que a base ainda hoje perdura.
Em relação a tocar com outras pessoas, há malhas que por acaso nunca se proporcionou, ao vivo já houve meia dúzia de malhas, mas é outra abordagem, é o que acontece por exemplo com os 10 000 Russos, que é outra abordagem em relação… Como é que explico… Em relação à forma de tocar, à guitarra, quer dizer, há uma questão mais de diálogo, em Tren Go! a malta tem de estar preocupada com a mistura, com o som, como é que preparas o próximo, porque aquilo é tudo aos botõezinhos, quer dizer, este efeito pode não ser igual ao próximo então quando desligas já preparas porque queres fazer não sei quê, então tens que estar assim sempre, sempre ligado.

Esse formato ao vivo dá-te espaço para improviso? É uma música muito emergente, deixas-te guiar por esses impulsos que a música te dá ao vivo ou tens guidelines?
Pedro: Ora bem, eu costumo dizer que os feedbacks não são uma ciência exacta. Ou seja, há áreas que são comuns, quer dizer, não é a mesma coisa que dar uma nota, sabes que ali vai dar qualquer coisa como dó. Dó, dó, dó. Com os feedbacks a coisa não é assim tão certa, estás a mexer em botõezinhos, então de vez em quando ficam sujos, então não mexem como da última vez e podes estar na posição das três e dez mas depois, eipá, não é bem! Porque falta sempre assim um bocadinho, e aprendes a jogar com esse imprevisto, não é?, e a piada também está um bocado em jogar com esse lado imprevisível das coisas. As músicas existem, não é, estão feitas e, olha, esta zona é esta música, ou esta área é esta música, e depois como a tocas, sei lá, podes tocá-la mais depressa ou mais devagar, ou meter outro som lá pelo meio, enfiar uma malha que não tenha nada a ver com a que tocaste no último concerto, mas olha, esta até encaixa, vamos embora! Exacto. Imagina, tocares um hit qualquer a meio de uma música, estás a tocar uma malha e, olha, isto lembra-me a Carvalhesa, tocas a Carvalhesa, e depois… Mas assim só numa, em jeito de brincadeira. E a coisa vai resultando, quer dizer, não é assim, não estão fechadas, não estão completamente fechadas. Nem gosto de trabalhar em músicas fechadas.

E em estúdio? Fazes quase o processo inverso e deixas-te influenciar por esse imprevisto? Ou é mais calculado?
Pedro: Hm… Não… Em estúdio depende do processo de gravação. Ou seja, depende da abordagem que queres para as gravações que estás a fazer. O WoooWooo [álbum] foi sobretudo… Sabia quais eram as malhas que queria gravar e como, então tinha assim, ok, ainda por cima estava no estúdio, em Seixas, com o Marco Lima, ele tem uma banda fixe que é os Spin City, mas se não conheces vai ouvir que é fixe, é assim hard rock setenteiro, atomatado. Acho que não posso dizer isto on the record, mas se quiseres por citado, podes citar “atomatado”. E… Epa e lá tens uma escolha de amps de guitarra e de micros muito boa, mesmo fora de série. E… à medida que… Ele conhecia as músicas, epa, somos amigos não é?, tipo, a malta vai mostrando coisas, e fomos decidindo, olha, esta malha desta música gravada com este amplificador e aquela guitarra e aquele pedal, quer dizer, foi quase tudo com a firebird, mas ainda usei uma ou outra guitarra mais. Tenho uma guitarra que deixei de usar porque tenho de arranjá-la, que é com cordas de baixo, essa tem uma música no disco assim, o G-Blues. Essa é fixe, mas não tenho a trazido para o vivo, depois emprestaram-me outra guitarra que também usei, outras que o Marco tinha.

Ou seja, isto para dizer, depois desta volta toda, isto para dizer que… Estava a gravar linha a linha, passo a passo, embora soubesse que linhas é que queria, tens sempre algum espaço onde meter uns feedbacks a seguir porque tens… Gravas a batida, botas aquilo em loop, estás a improvisar, tudo o que te lembras que vais usar para aquela música, ou como as costumas tocar ao vivo e que camadas queres meter, podes fazer isto às partes, quer dizer, vais gravando uma camada, metes e coisa, e vais sequenciando, só que eu preferia ter o loop, gravar, gravar, gravar e sequenciei depois. A ideia disto era… Com o WoooWooo era explorar um bocado o espaço, que é uma coisa que não tens ao vivo. Ao vivo, para tocar em stereo era uma logística mais complicada, as minhas costas não estão para isso, tenho de carregar muito mais tralha, e… E também assim permite conseguir ter várias viagens diferentes dentro do mesmo universo de Tren Go! Ou seja, ao vivo a coisa é em mono, não tens esquerda-direita, não tens um jogo espacial, então… A coisa é muito mais assim… Para a frente, muito mais a correr. E a… E lá está, depois há aquele jogo de arrumar, olha, este som ou esta cena encaixa nesta parte, mas vais fazendo o filme à medida que vais indo, em disco depois fechas aquilo.
Houve malhas em disco que as gravei ao vivo, como as toco ao vivo não é, tipo, assim, o que eu costumo chamar, a abrir, e há outras que foram… Pronto que foram… Pa, cortadinhas, não sei quê, tudo [sons de organizar coisas no ar], a fazer ali alguma edição. Para o próximo disco, sabe Deus, não sei como é que vou gravar, ainda nem sei que malhas é que vão lá para dentro, mas presumo que volte a explorar espaços, agora não sei bem é de que maneira.

Certo. Bem, estamos aqui num festival, vais tocar hoje à meia-noite e quarenta e cinco, sendo uma música muito característica da emergência e dos impulsos, e se calhar vir tocar a um ciclo de pessoal muito acelerado, numa festa, opa, acaba por ser um contexto um bocado diferente e também um desafio, não?
Pedro: Intrinsecamente a atitude é a mesma, mas agora uma pessoa vai-se adaptando às situações de alguma forma. Sei lá, não sei, normalmente faço concertos mais para a cabeça do que para o corpo. Nos concertos de Tren Go! acho que o único em que dançaram foi em Cuenca, e isto em Espanha, portanto… Acho que foi o único concerto em que a malta dançou. Daí fui tirando as minhas ilações e, eilá, de facto isto é música para a cabeça! A malta não puxa muito. Mas, pa, se estiveres nesse groove de ouvir noise, quer dizer… Não é que Tren Go! explore só um género ou que seja uma coisa muito específica, trabalho dentro de uma linguagem ou de um universo, se quiseres assim chamar, ou dentro de paisagens. E a questão de um gajo não se cingir a um género permite também alguma versatilidade e alguma adaptabilidade a uma variedade de contextos. Mas, ainda que faças a mesma coisa, quer dizer, estás sempre a tocar coisas diferentes, nem que toques o mesmo set, o que não é o caso, permite sempre adaptar a uma data de situações diferentes… Concluindo, não estou assim muito preocupado, quer dizer… E a malta como tem gostado, é bom sinal, fico contente com isso. O que posso fazer é aquela velha conversa de jogador de futebol, pa, é continuar a trabalhar e… Não sei quê.

Hoje vais apresentar-te com uma parte visual, Slide Jane, o que é que faz entrar este elemento visual como um elemento bastante relevante da experiência ao vivo e não apenas um background?
Pedro: Não sei, acho que é um bocado o aspecto de construir os slides mas depois a manipulação tem de ser feita na hora, adapta-se, quer dizer. Tu explicas isto melhor que eu [olha para a Inês].
Inês: Sim. Os slides entram a partir do momento em que descobrimos que podíamos! Em que eu aprendi a fazê-los com um amigo nosso, o Martin, e fiquei bastante entusiasmada. E depois como são bastante em aberto, portanto, não é uma imagem definida, não te transmite para nenhum lugar específico nem para nenhuma paisagem definida e… E acaba por fazer sentido porque esta é uma música que transporta, pronto, que sempre transmitiu esta noção de viagem, mas de viagem mental, portanto, ao mesmo tempo que estamos a ver ali as mudanças de cor, como o slide se pode ou não comportar e reagir ou não como eu quero. Mas aí também tem a ver com a música, que nunca segue o mesmo padrão, portanto, de slide para slide, ou de concerto para concerto, eu vou tentando adaptar, sabendo que só posso actuar em noites e em interiores [ri-se]. Estou condicionada à minha condição vampiresca! E pronto, sou assim a Slide Jane nocturna.

E o que permitirem os candeeiros de rua, não é? Que hoje estão a complicar-te a vida.
Pedro: Depois também tem o lado efémero dos slides, sei lá, aquilo não é uma coisa que dure. Tens de estar sempre a fazer.
Inês: Sim. Pronto, são coisas bastante frágeis e eu abuso um bocadinho, já sei. Exploram há décadas as luzes líquidas e vi muitas coisas principalmente com retroprojectores, que também quero explorar, mas o slide estamos a falar de uma superfície de três centímetros, portanto, permite alguns impulsos mas se eu estou sempre ali à procura de espasmos de cor… De vez em quando espasmam mesmo! E lá ficam. Portanto penso, ah, tenho que encontrar! Qual era o percurso que tenho de encontrar para este, era isto? Ou era isto? Ahhh não é a mesma coisa. É a procura constante disso também.

E um dia que espasmem todos? O que é que acontece? Partes para outra ou tentas reproduzir o que estavas a fazer antes?
Inês: Sou um bocadinho obrigada a partir para outra! Isto porque todo o processo é bastante empírico, e às vezes são coisas bastante óbvias que temos em casa, desde marcadores e óleo de cozinha, e eu não tenho balanças milimétricas, acho que são proibidas por lei de ter em casa!, mas… Ainda que tivesse um livrinho de receitas de fazer isto, não consigo ter uma definição assim tão metódica. E depois, eles são selados à mão, portanto, com o isqueiro e com o polegar, o que às vezes corre bem e nunca corre da mesma maneira, por isso tem de ser sempre uma coisa de serviste-me bem, foste um bom guerreiro, estás aí espasmado, vou ter que partir para outra.

O WoooWooo já tem dois anos, entretanto tens uma experiência de gravação e de tour com os 10 000 Russos.
E Tren Go! quando é que volta? De que maneira volta?
Pedro: Hm… Boa pergunta… Boa pergunta. A linha férrea não está ainda toda construída. Opa, tenho uma data de malhas novas, mas ainda não sei bem como é que… Como é que as vou fazer, ou gravar ou etc. E de facto… Este tempo com 10 000 Russos é outra abordagem, ainda por cima ninguém tem o dom da obiquidade nem da temporalidade, ou seja estar em vários sítios ao mesmo tempo… Sim, mas isto com tempo e ao explorar a glândula penial, a gente conseguirá fazer isso! Opa, mas não sei, isso depois também depende de questões profissionais, não é, tipo, isto por mais que queira ajuda alguma coisa mas não dá de comer. Como a malta não vive só de música tem de também dedicar o seu tempo a pagar contas e seguranças sociais e impostos e etc. E comidinha também, comidinha também é bom. Ou pedais… Bom, o que quer que seja que faças com a tua guita. Mas… Hm… Estão coisas para sair em várias abordagens, sei lá, entre cenas de reggae, cenas de noise, logo se vê, aí mais uma data de psicanalismos também à mistura, enfim, uns rocks psicadélicos meios fixes. Não te sei bem responder a isso. Olha, foi como disse para aí na segunda ou terceira pergunta, sabe Deus! Não, sabe Deus também não, isto é demasiado religioso, com a barba ainda me confundem.

Já estamos a ser abençoados [pela Sé de Lamego].
Pedro: Sim, isso por acaso é fixe. Mas uma expressão menos religiosa…

Uma expressão futebolística, para terminar.
Pedro: Isto… Prognósticos só na edição do segundo álbum! Mas, não sei, agora que já tive tempo para engonhar e pensar no assunto, não sei se a coisa passará por um disco com muitas músicas ou por vários EPs, honestamente, isso agora é uma questão de organização e ver como é que elas vão saindo, lá está, depende de tempo, sobretudo e… Pa, a malta como luta em várias frentes tem que ir doseando à medida que as coisas vão surgindo. Também, como não faço só isto da vida, há que dosear.

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