texto e fotografia
Rodrigo Meneses

Tripas aos Molhos e coisas felizes

Feliz daquele que gosta desta iguaria. Não há nada igual a um belo molho de tripas. Mesmo. E quando acompanhadas por um bom vinho e um arroz bem solto elevam-se ao céu. Venham desbravar estes sabores com o vosso palato.

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Sou da Bila desde pequenino e tenho em mim todas as referências gastronómicas que por cá são populares. Esta cidade é rica em coisas boas. Isso não podemos negar. Temos nos Covilhetes, nas Cristas de Galo, nos Pitos de Santa Lúzia e em tantas outras iguarias um pedaço da nossa tradição. Quer como cidade, quer como povo da montanha, habituado a condições climatéricas duras e a coisas boas na mesa.

Um fartote de enchidos e de carnes únicas como a Maronesa. Gostamos de queijos e de petiscos. Somos pessoas com um sentido de prato cheio e de boa comida, exigentes nas doses e sempre prontos para petiscar mais um prato quando se junta um novo amigo à mesa. Somos da Bila e gostamos de estar com outros da Bila a comer.

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Um dos fenómenos culinários mais curiosos e menos conhecidos no resto de Portugal é o das Tripas aos Molhos. Reza a lenda que a fundadora da Casa de Pasto Chaxoila, Fernanda Brites, criou este prato em 1947. A sua curiosidade culinária levou-a a enrolar pedaços de bucho e tripa de vaca com presunto e um ramo de salsa no meio. Cozinhar por um par de horas para que fique tenra e saborosa. E meu Deus! Estava assim criada uma das melhores iguarias da cidade e atrevo-me a dizer do país inteiro.

Querida Dona Fernanda. Só me apetece dizer que o seu génio é enorme. Deu ao mundo este prato. E fez-me sonhar muitas vezes com ele quando estou mais tempo fora. Obrigado por me marcar o palato da forma como me marcou com a sua criação. Para mim tem direito a uma estátua mesmo na principal Avenida cá da terra, ao lado do icónico Carvalho Araújo. Atrevo-me até a sonhar em um dia haver um feriado municipal em sua honra! Tudo por causa desta sua receita que me faz tombar pelo pecado da gula. E peco todas as vezes que chego a Vila Real. Acho que é a primeira coisa que faço sempre que aterro por estes lados de visita à família e aos amigos que por cá tenho.

Gosto de comer. Não o consigo negar. Faço até disso a minha profissão. Já provei centenas e centenas de coisas boas. Mas nem a trufa branca ou o caviar destronaram as singelas Tripas aos Molhos. Poderia escrever aqui um tratado de como é que elas sabem, usar adjetivos bonitos como “estranhamente saborosas” ou dar um ar da minha graça e imitar os críticos que dizem coisas como “uma textura fantástica” ou “o conjunto funciona muito bem na boca”. Mas não. Só consigo dizer que são maravilhosamente boas. Tão boas que enquanto escrevo este texto já enviei uma mensagem para o meu pai para combinar a investida pela hora do jantar.

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São muitos os restaurantes da Bila que servem a iguaria. Da receita original foram surgindo pequenas variações, quer no tamanho quer nos ingredientes. Mas todas elas mantiveram vivo o espírito. Se uns usam presunto outros usam salpicão. O molho onde são cozinhadas varia em espessura e em alguns ingredientes. Mas são sempre fiéis ao não complicar algo que não deve ser complicado. As tripas têm de ser simples. E bem hajam os cozinheiros e cozinheiras desta cidade por respeitarem toda a tradição.

Pode não ser o prato mais bonito do mundo, nisso a Dona Fernanda não pensou. E ainda bem, porque estas coisas não se querem bonitas. Sempre que falo aos meus amigos de outras zonas do país que a minha paixão são as Tripas aos Molhos tenho sempre olhares de soslaio. Acham que sou estranho por gostar de comer estômagos e tripas de vaca. Mal sabem eles, meus caros leitores, que é ali que está o sabor todo, no facto de se utilizarem ingredientes simples e de os cozinharem durante bastante tempo para que fiquem tenros e apurados. A cozinha é cultura. E aprender a apreciar estes pratos é uma verdadeira viagem cultural. Como cidadãos de Vila Real e como povo que gosta de comer, temos de dar cada vez mais orgulho do que temos só nosso, por isso, da próxima vez que receberem alguém de fora, fachavor de os levar a comer uma tripinha, para que encaixem logo o espírito gastronómico da Bila e fiquem encantados com as maravilhas da cidade.

Quem ainda não experimentou, vá por mim e acredite. É uma grande iguaria que tanto serve como petisco para empurrar um copo de vinho ou como prato principal numa refeição grande. Proponho a utilização do hashtag #tripasaosmolhos e a criação de um movimento por essa internet fora. Sim. Porque não posso ser a única pessoa da Bila com esta paixão e com vontade de a mostrar ao mundo.