Entrevista | Cavalheiro

Recordam-se do tríptico de concertos que a Covilhete na Mão nos ofereceu há quase um ano? Pois bem, para quem já não se recorda estou a falar das actuações que Norberto Lobo, Black Bombaim e Cavalheiro deram em Vila Real, em Novembro de 2012. Engraçado que às portas de se celebrar o aniversário desta iniciativa, Tiago Ferreira, ou melhor, Cavalheiro, prepara-se para lançar o seu quarto Ep, de nome Trégua, no dia 25 deste mês. O videoclip do tema de avanço, Talvez, já anda a circular pelas redes sociais e a verdade é que este tema assume uma toada romântica que nos remete para os anos 50 ou 60. O vídeo faz lembrar, até, um baile de finalista da época, mas solitário, já no fim. Pelo o que próprio me disse, este talvez seja o trabalho em que a sonoridade esteja mais relaxada, no entanto, esse relaxamento convive lado a lado com uma maior exigência com a música que compõe. O próximo trabalho poderá ser um longa duração, vamos ver. Pelo menos, era mais do que devido. Entusiasmada com o single de avanço quis falar com Tiago Ferreira para descortinar melhor e saber mais sobre o Trégua. Aqui fica o resultado.

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O Trégua é o primeiro EP pela PAD. Porquê esta mudança, a saída a Honeysound e a integração na PAD?
Ora bem, estamos a falar de círculos relativamente pequenos. Eu conheço muito bem as pessoas da Honeysound como também conheço as pessoas da PAD. Somos todos de Braga [a PAD; a Honeysound é uma editora de Barcelos]. Com este EP decidimos mudar para a PAD porque acaba por ter uma estrutura mais profissionalizada e com uma maior capacidade de promoção dos trabalhos. Nós queremos fazer, com o Trégua, um esforço maior nesse sentido, por isso é que optamos por esta mudança.

O nome Trégua é curioso. Principalmente quando o tema de avanço parece ser um “VOLTA, NÃO ME ABANDONES.”
Eu compreendo e faz todo o sentido. Este EP é um processo interno. É um processo em que uma pessoa tenta fazer uma desculpabilização pelas coisas menos positivas que tem dentro de si e para com os outros. Talvez acabe por ser um pouco isso: o assumir de que não somos perfeitos para com as pessoas com quem nos relacionamos mas que, ainda assim, queremos estar com elas e esperamos que as coisas melhorem.

Continuas com as canções com letras melancólicas. Ainda é algo de que não te libertaste?
Não é algo de que eu me tenha libertado porque também não é algo com que eu me identifique particularmente. Acho que não sou uma pessoa sombria nem carrancuda ou depressiva. Mas, quando escrevo, acaba por ser sobre coisas relativamente sérias, com uma toada mais séria. Não é, de todo, um esforço intencional. Não há uma intenção minha em escrever as coisas de forma mais ou menos sombria, mais ou menos alegre. É a forma como naturalmente me exprimo.

O tema Talvez assume um tom romântico provindo dos anos 50 e 60. Aliás, o videoclip tem toda a ambiência de um baile solitário de finalistas da época. Foi esta a ideia?
Foi totalmente essa a ideia e fico contente por teres percebido o que queria fazer. É exactamente isso. Quando estava a escrever os temas que acabaram por conduzir ao lote de canções do Trégua, quis fazer algo com cariz romântico. O que é um fio muito, muito fino para se caminhar. Torna-se mais fácil uma pessoa cair em exageros, em coisas menos interessantes. Por isso, fazer uma música romântica ou de carácter minimamente romântico, acaba por ser complicado. Mas era isso o que queria fazer, uma música com uma toada romântica. Muita da música que ouves passa um bocado por aí, pelos anos 50 e 60. Até em coisas mais recentes: consigo encontrar bastante conforto em ouvir algumas partes do trabalho do Julio Iglesias, por muito absurdo que isso possa parecer. Acho que consegui transpor de forma engraçada, para este primeiro single, essa toada romântica.

Relativamente à forma directa como escreves. Quando alguém envereda por esse caminho, principalmente quando se fala das relações, corre sempre o risco de ser-se óbvio de mais ou cair em algum tipo de exagero. Apesar do projecto Cavalheiro ser mais intimista e introspectivo, preocupas-te com isso, em deixar alguma reserva? É a tal questão do ser-se simples sem ser-se óbvio.
É uma resposta relativamente semelhante à questão da melancolia e tristeza nas letras. Ora bem, eu não sei, manifestamente, fazer isto de nenhuma outra forma. Acaba, por isso, por não ser uma opção. Acaba por ser, simplesmente, a forma como consigo fazer. Até acho que é uma das grandes razões pela qual a minha música acaba por interessar a um círculo relativamente pequeno de pessoas, por ser crua e explícita em algumas formas. Por deixar relativamente pouco espaço para interpretações ou para que as pessoas possam encontrar algo delas nas canções, não. Aquilo é muito, muito frontal, directo e cru, mas não há nenhuma outra fora pela qual eu consiga escrever canções. Lá está, volta a não ser uma opção, volta a ser, basicamente, uma fatalidade, digamos assim.

Em algumas entrevistas dizes que receias estar demasiado colado a Bill Callahan, que é uma preocupação para ti as pessoas acharem que estás demasiado colado a algo. Ainda vives com essa preocupação, até que ponto te deixas levar pelas tuas influências?
Menos já, até porque era uma preocupação bastante pretensiosa da minha parte. Se uma música minha se parecesse, um milímetro que fosse, com um tema do Bill Callahan, seria extremamente positivo. A coisa boa ou má de se ir fazendo música é que, com alguma perserverança, acabas por conseguir criar uma identidade: boa ou má é uma identidade. Começo a ficar cada vez mais tranquilo devido ao facto de ter encontrado a minha e de fazer música como quero. Mas continuo a preocupar-me com outras coisas que vou ouvindo e que me parecem, relativamente, óbvias na minha música. Continuo preocupado mas menos.

Antes de mais, quero deixar claro que do novo EP só ouvi o tema de avanço, o Talvez. Mas, pelo que percebi, a imprensa tem catalogado o Trégua como sendo mais denso. Concordas? A que é que isso se deve?
Não sei se será mais denso. É aquele em que houve mais trabalho na pré-produção. Antes de gravar as músicas estivemos algum tempo a trabalha-las, a ver o que ficaria bem, o que não ficaria bem, o que queria e o que não queria para as músicas. Mas acho que a sonoridade até está, ligeiramente, mais relaxada. Acho que é, de todos, o que tem menos tensão. Por arrasto penso que é, até, o mais desanuviado. Não sei se concordo muito com essa do denso.

Achas que estás mais relaxado na forma como compões?
Acho que estou mais calmo, de uma maneira geral. Como falo sobre mim mesmo na minha música acredito que ela própria também esteja um pouco mais relaxada. Mas faço-o de uma forma progressivamente séria. Estou mais relaxado mas mais exigente com a música que faço. Cada vez que vou gravar algo novo quero gravar melhor do que na última vez e quero dar o melhor concerto desde o último que dei. As coisas vão ficando cada vez mais sérias.

E quando as pessoas, ou alguns críticos, começam a disparar referências musicais para melhor entenderem a tua música e pensas, “nem pensei nisso nem conheço bem o trabalho daquele artista em questão.” Já te aconteceu?
Muitas vezes, quase sempre.

Como é que lidas com isso? Ficas a pensar no assunto?
Não fico, de forma alguma. Já me disseram variadíssimas coisas e pouquíssimas delas acertadas. Aliás, acabam por ser os que não são jornalistas profissionais que acabam por fazer aqueles comentários que eu acho que são mais estratégicos. Mas não, até que porque escrevem pouco, mas quando escrevem acabo por não me reconhecer muito naquilo que dizem sobre o meu trabalho.

Para além das relações tocas, de forma mais subtil, também na religião. De que forma te dás com a religião? É um assunto que te ocupe a cabeça?
Ocupa-me um bocado, por motivos de vária ordem. Estou inserido num meio extremamente católico e conservador. Não é uma coisa que me agrade particularmente. Depois, acho que a religião, nomeadamente a católica, (aquela que nos toca mais), é uma força um bocado negativa e um bloqueio muito grande às comunidades, às civilizações e às pessoas em si, individualmente. É algo que me aflige um bocado e, tal como tudo o que me aflige, acabo por escrever uma ou outra canção sobre isso mesmo. Foi um bocado nessa óptica da promoção do meu próprio ateísmo que eu decidi escrever algumas canções em falava de “deus” e da religião.

Mas o que é que te incomoda mais? O sentimento de culpa que a religião católica tenta inculcar em nós?
Isto aqui dava para uma outra conversa, para uma outra entrevista bem gorda, porque tenho muitas coisas contra a religião católica. O conceito de pecado, de machismo e homofobia que estão inculcados nos ideais cristãos é uma coisa que me aflige bastante. Principalmente se pensar no peso que têm na sociedade em que vivo.

Depois, quando se fala em relações desavindas toca-se, inevitavelmente, na solidão. Também está expressa nos teus temas, concordas?
Perfeitamente. É um grande medo que eu tenho, o medo da solidão. Não é uma coisa que ache particularmente interessante e é algo que me aflige muito. Pelo menos a ideia de ficar só e azedo em alguma situação. Não é algo que me agrade e por isso, sim, é um tema que abordo também nas minhas canções.

Para além do Primeiro, só tens vindo a fazer Eps certo. Para quando um novo longa duração?
Antes do Primeiro já tinha feito um EP também, [sem nome, lançado em 2009 pela Lovers & Lollypops].Ou seja, este é o quarto Ep e o quinto trabalho. Mas,desta vez, várias pessoas, até da editora, me disseram que poderia ter lançado um LP e eu fiquei com essa ideia. Acredito, por isso, que o próximo volte a ser um longa duração, se bem que é uma coisa que envolve bastante mais trabalho do que estou disposto a ter. Sou uma pessoa preguiçosa, não tenho, muitas vezes, paciência para compor tantas canções. O Trégua tem cinco temas mas compus treze. Presumo que tenha de compor bem mais para um LP e, se calhar, não tenho tempo nem paciência para fazer isso.

Pensa nos tempos dos Veados com Fome, por exemplo. Sentes saudades em ter um projecto em conjunto?
Não, nenhumas. Sou um autocrata.

Um autocrata…
Sim. É muito positivo ser desta forma porque trabalho com pessoas de quem gosto bastante: belíssimos músicos que dão um input maravilhoso. Mas tenho sempre uma palavra final sobre as músicas. Sou uma pessoa tremendamente democrática em tudo menos na música que faço. Gosto muito deste método.

Comentários

  1. João Onofre diz:

    LOL tão bom cantor como fotogénico; que grande tóne.