Fomos humilhados e nem demos por isso
Nós somos rijos. Gostamos de dizê-lo porque aguentamos o frio cortante de um Janeiro pesaroso e o calor agreste que o conhecimento geral parece reservar ao Sul. Gostamos de dizê-lo porque crescemos sem as condições do Porto, e nem se fale de Lisboa, porque não é conveniente exaltar ânimos no primeiro parágrafo. Gostamos de dizê-lo porque trazemos todos no ADN o impulso agrícola que cultivamos na cidade, mesmo vivendo num apartamento, mesmo sem nunca ter visto uma vaca a menos de 5 metros de distância. Gostamos de dizê-lo, porque dizê-lo é pertencer a um grupo que queremos exclusivo, porque gostamos de ter a nossa própria imageticazinha colectiva, porque ainda acordamos por vezes do sonho molhado de uma região independente, na pior das hipóteses uma Portugaliza.
Por isto tudo, também, somos um povo propenso à revolta colectiva. Somos solidários quando insultam o nosso vizinho pelo seu sotaque, mas já não tanto quando pela cor da sua casa. Enfio a carapuça ao dizer isto tudo, porque poucas coisas me dão tanto prazer como ser transmontano em Lisboa. Acreditem ou não, já consegui convencer pessoas de que tinha um boi a viver dentro de casa, um animal muito querido à família, que à falta de espaço verde ficou com a posse de umas das assoalhadas. Fi-lo para me rir, mas também para provar a mim mesmo o que já sabia, que as pessoas do litoral são ignorantes quanto ao interior. Mas ao fazê-lo, estava também a encarar o papel de coitadinho da aldeia que se sente ofendido por se rodear de gente que não conhece nada da sua terra. E se é verdade que a nossa região não é vista com os melhores olhos pelos habitantes das grandes cidades, também é verdade que a nossa própria vitimização não abona nada a nosso favor.
O mais recente caso está à vista de qualquer pessoa que tenha acesso à internet. A página de Facebook “Parem de Humilhar os Transmontanos no I Love It” protesta contra uma personagem transmontana estereotipada, criada numa recente novela da TVI. A mesma novela estereotipa um açoreano e uma jovem de descendência africana. Mas se queremos falar de humilhações e estereótipos, então falemos também dos artistas, dos músicos, dos surfistas, dos emigrantes… tudo grupos sociais que são recorrentemente vítimas de generalização na TV, sem que, no entanto, alguém queira saber. E reparo agora que me esqueci de um grupo, talvez o mais vitimado: os lisboetas. Olhemos com mais atenção para a referida página, cuja missão se assume como “Preservar a cultura Transmontana”. Criada há três dias (no dia 10 de Setembro, escrevo isto a 13), conta já com mais de 11 mil likes. Para fazer uma comparação, a página “Trás os Montes e Alto Douro”, principal resultado na pesquisa pelo mesmo nome, criada em 2012, conta com menos de 10 mil likes. A internet vale o que vale, e poder-se-ia pensar que é positivo uma página como a primeira, em cuja missão aparenta ser tão nobre, ter tanta adesão, mas uma rápida vista de olhos pela mesma coloca-nos em alerta e deixa-nos preocupados com o facto de tanta gente assumir publicamente que “gosta” daquela colecção de conteúdos. A começar pela argumentação ao nível de uma criança de 11 anos (fui buscar o número de likes) a acabar no português macarrónico, se esta página mostra “aos de lá de fora” quem nós somos, então apoio qualquer movimento que promova a humilhação dos transmontanos. Assino a petição e vou de bandeira, somos todos anormais!
Mas vamos à descrição da página: “Nós sabemos tanto ou mais como Portugal inteiro. Vamos ficar sentados a ouvir tretas? Ou erguer e desfazer?” Começa com a tal argumentação de recreio, continua com um cliché, acaba com uma questão que levaria um perito em linguística a um provável suicídio. Das limitações do criador da página não restam dúvidas nem preocupações, mas o facto de tanta gente achar isto uma boa ideia dá-me voltas à cabeça. Nem me vou atrever a fazer uma incursão pelas publicações em si, devido à minha e vossa falta de paciência, e também por alguma vergonha alheia. Há páginas piores na Internet? Claro, muito piores, desde que vi uma página a incentivar à invasão dos escritórios da SportTV pela não transmissão de um jogo de pré-época do Sporting, acredito em tudo. Mas uso a nossa página de estimação para ilustrar o rídiculo que o queixume transmontano por vezes atinge. Se somos rijos, sejamos rijos, porra! E se temos uma boa instrução primária, não devíamos sequer estar a ver estes programas. Sabemos ler? Então siga, Miguel Torga, Pires Cabral…
Não faltam exemplos de gente em Trás-os-Montes que faz muito para nos levar mais longe, o meu envolvimento neste site levou-me a conhecer muitas dessas pessoas, que renovaram o meu entusiasmo com o que por aqui se faz de bom. Também é verdade, que habitamos uma região negligenciada pelo poder centralista, assunto que merecia bastantes mais páginas no Facebook do que o I Love It. Mas tudo isto fica em parte invalidado quando o grosso da população, e chocantemente, da população jovem, se diverte com “revoluções” (termo usado recorrentemente na página anti-novela) em torno de não-assuntos. É nestes momentos que se confunde o orgulho com a necessidade de atenção. Quando se pede uma ampla discussão sobre um tempo de crise que afecta especialmente o interior, as pessoas viram-se para a TVI. Quando se pede intervenção crítica na cidade, vai-se à color run. Quando queremos promover Trás-os-Montes, é isto que apresentamos. Pior, é isto que tem 11 mil likes ao fim de três dias. E depois crê-se na velha máxima do “Para lá do Marão…” Pois bem, triste fado de quem não sabe que é cidadão do Mundo, nem que Sócrates veio à Terra por um motivo. Tanta igualdade pedimos, que quando nos tornamos iguais logo clamamos pela exclusão de volta. Tanto bradamos aos deuses por chuva que nos esquecemos do poço mesmo à nossa beira. Tantos defeitos apontamos ao que está para lá do IP4 (da estrada mesmo) que nos esquecemos da própria “terrinha”. E o objectivo nunca é ficar na “terrinha” para o resto da vida a lamentar, é mudar a “terrinha” a cada fim-de-semana de visita a casa.
Nota: Todas as imagens são retiradas da página.
Acabaste de salvar uma região acho que devias levar um prémio. A malta já começava a duvidar da existiam de transmontanos com dois dedos de testa.
existência*
“likes”?! Mas que raio de moeda é essa tão importante que determina o valor das coisas? Um “like” não vale nada. Zero.
“likes”?! Mas que raio de moeda é essa tão importante que determina o valor das coisas? Um “like” não vale nada. Zero.
“likes”?! Mas que raio de moeda é essa tão importante que determina o valor das coisas? Um “like” não vale nada. Zero.
https://encrypted-tbn0.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcS_KuHmv203jnyWIOTMD2LQoMN45H6SkTV52AXPC8s1BEb7pOrvJw
E eu a pensar que era o único a partilhar desta ideia!!! Tal como o autor deste magnífico texto, nunca vi a novela em questão, mas pelo que me aparece à frente no facebook só tenho uma coisa a dizer, “coitados dos Alentejanos” :D
Escreve-se açoriano…deve ter sido o macarrão…
De um minhoto: respeito.
Gui qualquer dia temos o grupo “Parem de Humilhar os Hipster no I Love It” porque usam camisolas de lã, ouvem músicas alternativas foram do “mainstream” ou então porque metem lá o Rui…
http://www.youtube.com/watch?v=2ZExQVhx-P4
[…] neste momento de enorme dúvida, o que estará por trás disto. Uma intriga internacional para humilhar os transmontanos, ou um golpe fenomenal da sátira transmontana? De qualquer forma, podemos somar mais uma camada à […]
Digam-me so, o que é o I love it? E algo importante e eu não saberei? -.-
Como diriam algumas pessoas de Vila Real “tipo loool”
Sou do Porto, trabalho em Vila Real. Não acho que um transmontano tenha algo de especialmente diferente de um portuense quer para melhor ou pior. A diferença é que a região em si é negligenciada de forma atroz… e infelizmente o poder político local e nacional pouco faz para mudar as coisas. O mais escandaloso é que tanto Socrates como Passos Coelho têm ligações à região.
Muito assertiva, como sempre, a tua opinião que me fez recordar a proposito aquilo que um humorista conhecido disse na TV sobre a figura do nosso navegador Diogo Cão “… o dificil para este homem não foi chegar á foz do rio Congo mas sim sair de Vila Real…” está tudo dito sobre o perfil do transmontano/Duriense mas houve entre os autóctones quem levasse a mal…