Entrevista | André Simão (Black Bombaim + La La La Ressonance)

Duas bandas que no fundo são uma só. Duas aparições ao vivo que não deixaram ninguém indiferente. No fim da segunda, no TRC Zigurfest, sentámo-nos à conversa com o André Simão, baixista dos La La La Ressonance, igualmente baixista quando estes se juntam aos Black Bombaim. A equação ainda não foi resolvida, vai sendo a cada concerto, mas já se sabe que daqui vai sair um disco.

Black Bombaim + La La La Ressonance

Black Bombaim + La La La Ressonance

Além da geografia, o que é que vos uniu?
Isto aconteceu de uma forma um bocado imprevista para nós porque a iniciativa não partiu das bandas, o que é engraçado. Conhecemo-nos há muito tempo e temos relações uns com os outros por razões diferentes, porque somos da mesma cidade e partilhamos copos e grupos sociais, etc. Mas isto começou com uma conversa entre dois elementos de cada uma das editoras, noite de copos… “E se propuséssemos àqueles marotos que se juntassem e fizessem qualquer coisa juntos?” Acho que aconteceu ali uma espécie de um desbloqueador, porque obviamente nós, vivendo no mesmo sítio, conhecemos o trabalho deles e gostamos, no nosso caso o dos Black Bombaim e vice-versa. E aquele interruptor, “Opá, porque é que vocês não tentam qualquer coisa para o Milhões e podem fazer um concerto e tal, uma coisa diferente…” Nenhuma das bandas estava propriamente interessada em fazer uma brincadeira para o Milhões, quando nos sentámos a falar sobre isto pensámos “epá, ou fazemos uma coisa que valha a pena e que nos envolva mesmo ou então fazer um concerto só, poderá derivar um bocado numa jam…” Não estávamos no momento, nem uma banda nem outra, para ir por aí. Então a ideia foi fazer uma coisa mais séria. “Vamos compor, vamos fazer originais, podemo-nos recriar com o repertório das bandas em algum momento”, o que aconteceu — há um tema nosso e um deles que é tocado em conjunto, é uma espécie de medley, literalmente. E pronto, juntámo-nos, começámos a compor, bem em cima do Milhões já, mas as coisas fluíram com bastante naturalidade e, quando demos por ela, estávamos com este bebé nas mãos, e já gravámos, já fizemos um registo de estúdio desta união. Agora vamos fazer ainda mais concertos e depois não sei muito bem como é que isto se vai desenvolver em termos de timings, mas, neste momento, ambas as bandas estão muito focadas nisto.

E quanto de cada banda é que entra na junção total? Há alguma preocupação em criar algo completamente novo, ou o projecto é permeável ao passado das duas bandas?
Não. É natural que, uma vez que nunca tenhamos composto juntos, nunca tínhamos trabalhado juntos, há uma preocupação quase diplomática, de tentar gerir a interferência das bandas no resultado final. É quase por… cortesia. Ou seja, vamos tentar que isto seja o mais 50/50 possível, não é?, mas isso aconteceu no primeiro e segundo ensaio, porque de repente começámos a perceber que o que estava a acontecer nem era muito Black Bombaim nem era muito La La La, (era) uma coisa bastante mais… maximal e um bocado expressionista. Eles são uma banda, apesar de tudo, contida, na forma como compõem e têm uma série de referências mais ou menos identificáveis, que tem pouco a ver com o que estamos a fazer, e no caso do La La La também, que é uma banda menos ruidosa e bastante menos expressionista, é bem mais subtil… E por isso o que aconteceu foi imprevisto para todos e quando começámos a perceber que estávamos a ir por aqui, houve ali uma luz qualquer sobre um caminho e nasceu logo o repertório todo. E decidimos que, em princípio, é dentro deste repertório que vamos trabalhar e pouco mais, mesmo que ao vivo possamos querer fazer mais um ou outro tema para poder ter hipóteses e para poder caminhar noutro sentido consoante o sítio e a vontade que tenhamos de tocar isto ou aquilo. A certa altura o que é que é Black Bombaim, o que é que é La La La Ressonance nisto, desapareceu, de repente tínhamos uma banda, sabes? Ainda que tenhamos uma banda a prazo, porque provavelmente isto é um projecto que terá um limite no tempo, digo eu, até pode nem ter…, mas a ideia neste momento é essa, que seja uma coisa que vá ter um fim, e por isso é que ela também é especial para nós, por isso mesmo, porque é uma coisa de um momento. E pronto, a certa altura desapareceu, essa ideia do que é que é uma banda e o que é que é outra, isto é uma banda de alguma forma.

Antes de vocês se juntarem, antes de tocarem no Milhões, o pessoal fazia a equação simplificada do Stoner com o Pós-Rock Jazzístico, mas depois acho que foi inesperado ver as paisagens a que chegámos no concerto, desde os trópicos dançáveis até a andar a dobrar espinhas. Foi inesperado para vocês também ou sabiam que iam nessa direcção?
Foi completamente inesperado. Nós prevíamos uma coisa e só uma coisa, que é, uma vez que somos nove em palco — porque ainda se junta o Astroboy, o Luís, que tem já um ano e tal, que é uma espécie de membro honorário dos La La La Ressonance, temos trabalhado sempre com ele, só falta mesmo fazer a OPA para contratá-lo… Sabíamos que sendo músicos, e muitos, e quase todos bastante interventivos, sabíamos que a coisa ia ser grande, que ia ser grande em termos sonoros, sabíamos que ia haver, que tinha de haver, espaço para algum exagero, em termos de pressão sonora. Isso era um dado mais ou menos adquirido, e mais nada. Tudo o resto nasceu mesmo do ensaio e depois discutindo isto, porque é uma coisa que se fala pouco, mas há muito do que uma banda é, que se decidi assim, no café, a falar muito. Às vezes há discos que nascem de conversas, muito menos do que de ensaios, muito mais de conversas, e aconteceu isto também. A certa altura percebemos: “pá, há alguma prevalência grande do baixo”, por exemplo, “há uma prevalência grande do baixo nas duas bandas, vamos fazer uma música só com dois baixos”, fui com o Tojo para os ensaios e fizemos um tema só os dois, que é o tema que abre o concerto, que depois uniu a outro, que foi feito depois, porque era um tema onde nós queríamos explorar especificamente a ideia da percussão. Isso foi tudo decidido: “ok, temos dois bateristas e ainda temos a percussão, tem de haver um tema que nasça da percussão”. O último tema, por exemplo, foi uma decisão de café: “vamos fazer um tema sempre na mesma nota, sempre na mesma tonalidade, vai ser um drone gigante que depois cresça ao sabor da nossa inspiração” — foi decidido isto, chegámos ao sítio de ensaio, tocámos a música como vocês a ouviram hoje. Foi à primeira, a música estava falada, estava discutida, percebes? Discutimos alguns aspectos, definimos o mote para cada um dos temas, e eles nasceram, assim.

Nove músicos em palco, duas bandas, o Astroboy… Quando se vê o soundcheck é um concerto impossível! É difícil pô-lo a funcionar?
Pois. Sim, é. Foi difícil. Foi difícil de filtrar alguns aspectos técnicos, alguns que são mesmo imponderáveis. Vou dar-te um exemplo que foi, na gravação, nós decidimos, por razões que serão conhecidas mais à frente, gravar ao ar livre. A gravação foi feita num pinhal, num descampado, numa pseudo-floresta. A banda formava uma espécie de Stonehenge humano e as baterias estavam relativamente distantes. O simples facto de haver, a somar-se às duas baterias, a pressão sonora de outros sete músicos, fazia com que um baterista não conseguisse ouvir o outro. Hoje já impusemos uma correcção de aproximar as baterias para eles se poderem ouvir melhor um ao outro. Ou seja, levanta uma porrada de questões técnicas, registos sonoros, as texturas dos guitarristas são todas completamente diferentes, os dois baixos…, como é que vamos casar o baixo do Tojo, que é muito impositivo, e eu também sou um bocado nervoso a tocar e há muita informação de um lado e doutro. Então decidimos assumir ainda mais aquela vocação distorcida do baixo do Tojo, aquela espécie de podre muito musical, e eu ir para um registo mais grave do que me é normal, para compensar. Ou seja, houve esta discussão de aspectos eminentemente técnicos, para conseguir levar isto para o palco. No Milhões, por exemplo, foi um caos! Hoje tivemos mais tempo para fazer som. No Milhões foi um caos completo, tivemos uma hora para fazer som, chegámos ao fim de uma hora e ainda não tínhamos feito nada, porque ainda estávamos a decidir quem é que vai ficar à beira de quem para que nos possamos ouvir e etc. É difícil pôr isto em pé, tecnicamente, mas entretanto estamos a afinar e as dificuldades principais estão resolvidas.

Esse concerto acaba por ser também uma surpresa não só para nós, mas para vocês, como estavas a dizer, ao fim de uma hora de soundcheck não tinham conseguido acertar as coisas. Qual foi a sensação pós-concerto, desde dentro da banda até ao feedback de quem esteve no concerto?
[ri-se] Foi espectacular! E não estou a usar a palavra como uma expressão, não. Foi verdadeiramente espectacular, foi mesmo aquela sensação de… de… “é o primeiro momento, e nós não temos esta oportunidade tantas vezes.” Os Black Bombaim são uma banda que praticamente aprenderam a tocar juntos, apesar do Senra e do Ricardo terem a experiência com os Alto, são músicos que trabalharam sempre juntos, desde putos, e nós trabalhamos juntos em projectos com nomes diferentes há quase vinte anos, por isso, inaugurar uma banda é uma excitação juvenil, não é? Obviamente. E estar ali, logo naquele sítio, com tanta gente, sabes?… Com aquele nível de atenção que sentíamos que o público tinha, é super excitante e acabámos o concerto completamente eufóricos, aquela coisa juvenil da euforia total, sabes? E é fixe o facto de ainda estarmos, de alguma forma, nessa fase deslumbrada. Por exemplo, no estúdio, nós gravámos os temas, chegámos à regie,  que estava bastante afastada do sítio onde estávamos a tocar, para ouvir a gravação, com os níveis todos flat de uma gravação ainda sem mistura, e estávamos os nove feitos putos [a ouvir] pela primeira vez algumas coisas que nunca tínhamos ouvido, porque estás no ensaio, estás afastado de um guitarrista e mais próximo de outro, então de repente, ali no estúdio, estavas a ouvir finalmente o registo afinado. Aliás, ainda não era o registo afinado, mas o registo mais aproximado daquilo a que verdadeiramente isto soa, coisa que nós nunca tínhamos ouvido. Ainda estamos nesta fase de surpresas em cima de surpresas, percebes?, que é muito fixe!

E com essas surpresas todas, o que é que nós podemos esperar do disco?
Hm… O disco tinha como mote fundamental captar a vocação live que este projecto tem, ou seja, a ideia foi, e daí termos tirado a banda do estúdio…, queríamos um sítio amplo, onde de alguma forma a presença de coisas externas ao estúdio nos pudesse inspirar. Fosse o barulho dos pássaros, fosse a forma de uma trepadeira, ou uma árvore, mesmo fora do ambiente de estúdio, um concerto para nós, porque foi um concerto sem público, um bocado à imagem do Live at Pompeii dos Pink Floyd, que foi a nossa referência quando tentámos montar a coisa. Tocar os temas, ao vivo, sem overdubs, sem edições suplementares, a não ser aquelas que acontecem ali…, também já são muitas, em princípio não seria preciso muito mais. E pronto, a agenda do disco é essa, é que seja um espécie de cristalização de um concerto. De um concerto para nós, acontecido num lugar específico, e isto depois terá, como eu te dizia, um sentido em que se vai perceber mais à frente o porquê de termos gravado ali.

(Com a entrevista quase acabada, ouve-se uma última e inesperada pergunta)
Simão, diz-me só uma cena, tu foste professor de baixo de Tojo não foste? Que tal é tocar com o teu aluno?
Era um péssimo aluno! A sério. Era um puto preguiçoso, sabes? No meio de muitos alunos, o Tojo não se distinguia minimamente, tinha uma mão direita preguiçosa, uma mão esquerda mais preguiçosa ainda. Só que nestas coisas acontece muitas vezes isto. Claro, ele era um puto com dezasseis anos e por isso eu não ia dizer “Exprime-te!”, não. Antes de se exprimir ele tinha de aprender a pôr mão direita, não é?, e a abordar o instrumento da melhor forma para depois poder encontrar o caminho dele. Só que ele reagiu àquilo, provavelmente, tipo: “pá, não, eu não gosto disto, não quero isto” e criou uma forma completamente dele e singular de tocar baixo. E é um baixista enorme, e não é por minha causa. Quer dizer, se calhar é, porque ele fugiu do que eu lhe estava a dizer e tornou-se um grande baixista.

Comentários

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