Entrevista | Mr. Herbert Quain

Encontrámo-lo entre preparativos para o concerto cinematográfico que iria dar na noite seguinte no TRC ZigurFest, em Lamego. Com o seu entusiasmo sereno, tirou alguns minutos para falar connosco e explicar a nostalgia hollywoodesca de Herbert Quain.

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© Rodrigo Ferreira

Como é que nasceu Herbert Quain?
Na verdade é um projecto já antigo que ganhou forma mais oficial no ano passado quando lancei o disco pela ZigurArtists, mas eu comecei a produzir músicas há 5/6 anos e algumas delas depois foram escolhidas para esse disco que lancei, que marca o momento oficial em que o projecto começa. A questão do nome… O nome Mr. Herbert Quain é resgatado da personalidade criada por um escritor argentino, o Jorge Luís Borges. Mr. Herbert Quain era um escritor que na verdade não tinha existido e Jorge Luís Borges falava dele como se tivesse existido. Isso para mim foi importante na altura, como a minha música também trabalha muito com samples e, no fundo, trata-se de facto de roubar pedacinhos para construir algo novo, essa ideia de baralhar a identidade, e de baralhar as fontes e o que é que vem de onde, e o que é que se transforma com a acção da manipulação, tornou-se interessante, e o projecto quase que começa dessa forma um bocado baralhada e misturada até ter ganho forma mais definitiva no álbum pela ZigurArtists, esse é o momento em que Mr.Herbert Quain tem um início mais oficial, digamos assim.

Como é que chegaste a esse contacto com a Zigur e como é que isso acabou por influenciar a tua música ou a tua atitude?
O contacto foi quase uma série de acasos, na mesma semana eu oiço uma rubrica na Rádio Oxigénio sobre um EP dos Morsa, que tinha sido lançado na ZigurArtists, e achei interessante; nessa mesma semana um amigo recomenda-me também o EP dos Morsa. Eu gostei muito, pesquisei pelo Morsa, pelo projecto, pela editora que tinha lançado, e percebi que era uma net label, uma coisa, um colectivo de amigos que estavam a investir em coisas emergentes, e pareceu-me interessante enviar-lhes as minhas músicas, enviei-lhes algumas demos, no mesmo dia, o António, o director da editora responde-me, disse-me que tinha todo o interesse, tivemos uma conversa um mês depois, ele disse-me que estava completamente à vontade para fazer o que quisesse, isso também me agradou, e passado uns meses eu apresentei-lhes o álbum, as onze músicas, as onze faixas do princípio ao fim, e trabalhou-se um bocadinho o conceptual, uma imagem, eles foram incríveis nessa parte, o João Pedro Fonseca no trabalho de imagem, por exemplo. E em certa medida talvez tenha sido influenciado pela ZigurArtists nessa perspectiva de ser um colectivo e de ser algo muito… Com muita liberdade à própria criatividade, não há condicionantes comerciais, não se procura o lucro, não se procura esse tipo de coisas que acabam por condicionar muito o processo criativo e isso claro, agradou-me, foi um conjunto de acasos ao início mas depois senti-me plenamente confortável ao ter sido acolhido por eles, basicamente foi isso.

Estavas a falar do teu nome se identificar com o próprio conceito do projecto, essa personagem criada pelo Jorge Luís Borges, e tu vais buscar um bocado essa imagética de um Hollywood perdido, uma certa memória. Isso lembra que a tua música está assumidamente associada a um tipo de influências definidas como Nicolas Jaar ou DJ Shadow, mas a mim também me lembra um papel que tu tens de curador, de ir recuperar memórias… Isso é uma parte relevante, que tentas reconstruir a partir de algo e atingir um certo mood com a tua música?
Sem dúvida, sem dúvida. Aliás, eu acho que a minha música, em certo sentido, é um bocadinho na crónica, isto é, porque é deslocada temporalmente, porque vai buscar coisas que estão claramente destemporalizadas, coisas que estão quase ultrapassadas e são repescadas para serem actualizadas pela própria mistura como elas são feitas e isso é o cunho mais contemporâneo, através da electrónica, claro, que permite juntar essas coisas, mas… Pegando nesse aspecto que tu disseste, esse lado da ruína, daquilo que parece que caiu em obsolescência, que caiu em desuso, que está perdido no tempo, que não se sabe de onde veio, já não se sabe para onde ficou, e essa ideia de repescar, e isso faz-se através da samplagem, tocar os excertos das músicas antigas, é uma ideia que me agrada muito. Esse baralhar de identidades, de tempos, no fundo da memória, a memória é algo que nós moldamos, que é algo muito vulnerável que no fundo cada um constrói a sua memória, todos nós gostamos de nos lembrar das coisas à nossa maneira e isso é um bocadinho aquilo que está no projecto, cada memória não é nada definitivo, é sempre qualquer coisa em construção, é manipulação, é reintegração com outros mil e um elementos que podem dar outra forma a essa memória. Sim, sem dúvida.

Em relação ao nome do disco (How I learned to stop worrying and start loving the waiting), amar a espera, apreciar a espera, fez-me lembrar de uma coisa que diz o Richard Dawkins que é que se tu em qualquer momento da tua vida estás aborrecido é porque não estás a ver as possibilidades. A tua música vai buscar essas possibilidades de reconstrução. É isso amar a espera, a reconstrução, ou é outra coisa à parte? O que é que é amar a espera?
Amar a espera… É em parte o que tu dizes, é esse… Essa espécie de prazer pela expectativa, o prazer por aquilo que há-de vir, por aquilo que se pode transformar, e aí talvez a minha música insista um pouco nalguns clímaxes, nalgumas coisas que de facto levam tempo a construir, e o próprio live acho que também tenta traduzir isso. Há partes que parecem talvez demasiado… Como é que eu hei-de dizer… Contemplativas, ou demasiado paradas, pode-se mesmo dizer, mas é aí que está a construção do clímax e é aí que supera a expectativa, o que é que vai acontecer? E sem dúvida que essa ideia de amar o momento, ou contemplar o momento da espera pode abrir infinitas possibilidades porque não se sabe o que vai acontecer, então o jogo continua sempre aberto. E isso claramente que afecta o que está a ser feito, o que já foi feito, e o que se vai buscar outra vez, e sem dúvida que essa dinâmica é uma coisa que move muito a minha música e o processo criativo.

E como é que tu transpareces isso para um contexto ao vivo? Porque já entendemos aqui que é uma música muito pensada, com um conceito muito forte, com uma grande estrutura conceptual, não é?, mas isso em estúdio é uma coisa e ao vivo… Materializar esse conceito, como é que é, é fácil, é difícil.
Inicialmente foi muito difícil, foi um desafio tremendo tentar transformar o material de estúdio em matéria que pudesse ser objecto de uma performance, objecto de algo que fosse um live. Mas basicamente, com o tempo, e também à medida que fui desenvolvendo o live apercebi-me de que, apesar de haver essas referências quase congeladas do tempo, os samples, por exemplo, há uma grande dose de espontaneidade que se pode injectar no live, e depois isso sem dúvida que depois dá-se connosco a ver as pessoas dançar à nossa frente, mesmo que seja com coisas mais lentas, e eu próprio a desfrutar imenso do que estou a fazer, quer dizer, a manipulação, lá está, nunca é definitiva, por isso tal como se manipulou em estúdio, com os processos adequados pode-se manipular infinitamente no live, e isso dá um prazer enorme, e claro descobrem-se sempre novas possibilidades inéditas, que nunca foram pensadas, e é interessante esta tensão entre algo que é muito conceptual, é muito pensado, é quase feito de uma forma extremamente cerebral, e esse mesmo processo ser transposto, através da manipulação infinita, para possibilidades absolutamente inéditas, que surgem no momento, e que a mim me dão prazer, e espero que dêem a quem ouve e vê o live. E compensado também pela dimensão visual que o live tem sempre, com as referências aos filmes que são citados, aos livros que são citados… Penso que tudo isso gera um jogo de imagem/som/memória/pensamento que pode ser estimulante.

O futuro, quais são os projectos?
Os projectos… Estou a preparar um EP, para lançar pela ZigurArtists, talvez até ao final deste ano, há uma ou duas misturas para alguns nomes, posso dizer, relativamente importantes, que também estão a ser preparadas e serão lançadas até ao final de 2013. Tentar investir em fazer mais lives e… lá está, o próprio processo, a todo o momento é um processo mutante, é um processo que a certa medida é imprevisto, mas acho que e dá mais gosto que seja assim.

Comentários

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