Entrevista | Morsa

Acabados de chegar a Lamego, encontrámos na Rua da Olaria uns Morsa bem dispostos, que entre a organização do festival TRC Zigurfest e a preparação do seu concerto no dia seguinte, arranjaram uns minutos para estar à conversa connosco.

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Em primeiro lugar, queremos saber um bocado sobre o nascimento de Morsa. Como é que isso aconteceu, quais é que eram as ideias por detrás disto tudo?

Daniela: Eu posso falar pela minha experiência. Morsa para mim nasceu quando o Manel me deu oportunidade, mas Morsa já tinha nascido com o Manel, em isolamento total, a produzir, o que eu acho, na altura, que era mais para ele, e que começou a ganhar asas à medida que nós [ZigurArtists] fomos ouvindo o trabalho dele e lhe dissemos “olha Manel, acho que tens aqui qualquer coisa, se calhar devias ir com isto para a frente…” E numa dessas sessões ele convidou-me a experimentar ali qualquer coisa, e eu ia completamente convencida que ele me ia dizer o que fazer [o Manel ri-se]. Então cheguei lá, ele mete um fundo com linha de baixo e teclado, e diz Canta!. Ora bem, isto para mim, que só tinha cantado de modo amador, nunca na vida tinha tido um projecto, quando fazia músicas era muito escondida em minha casa e só para a minha pessoa, foi super assustador.

Manel: Foi incrível!

Daniela: [Ri-se] foi incrível! Não, tu viste a minha carinha de pânico. A cantar lidas com todas as tuas inseguranças, tens pessoas ali à espera e a contar contigo, mas ao mesmo tempo não tens maneira de dizer que não, então isso dá-te muita coragem que se calhar só por ti, sem esse impulso, não terias. Arrisquei tudo e conseguimos fazer a música, nem vamos considerar single, porque era o EP e a última faixa foi feita nesse dia. Portanto, gravámos nesse dia, fizemos a letra nesse dia, a melodia nesse dia, e foi tudo assim… Impulsivo. Como aquelas conversas em que a pessoa não se consegue calar, tem sempre mais para dizer. A partir daí percebemos que tínhamos uma boa química de trabalho.

Manel: É isso, e eu acho que, ouvindo o EP, para nós isso é certo, mas pode transmitir ou não [para fora]. Vê-se pela onda do EP que nos vamos fundindo lentamente até germinar no último tema que tem claramente os dois em modo explosivo – e foi assim que foi terminado. O primeiro tema que surgiu daquele EP é uma música pela qual eu hoje não tenho grande teor de paixão exactamente por isso, porque para mim Morsa começou por ser meu e deixou rapidamente de ser pouco próprio, e senti que aquilo, a ser alguma coisa, só fazia sentido se fosse em conjunto, não fazia sentido se fosse meu, nunca meu.

Daniela: Portanto, para este novo trabalho, o que nós estamos a fazer é trabalhar em conjunto. Estamos a escrevê-lo e a compô-lo em conjunto, com a vantagem de termos uma banda a trabalhar connosco, portanto, nós assumimos a parte dos membros oficiais, vamos dizer assim…

Manel: Os que batem punho!

Daniela: Exactamente, os que batem punho! Mas temos uma banda a trabalhar connosco, que é a que faz os concertos connosco, apesar de podermos também ter um modo assim mais minimalista, mais intimista. Mas o juntar da banda foi um acréscimo, a nós deu-nos imensas asas e a música ganhou muito mais força, mesmo para compor agora o novo disco, já estamos com outro espírito.

Manel: São linhas ténues porque, acho eu, eu e a Daniela integramos Morsa, mas também é-nos muito importante toda a banda que trabalha connosco e ter o seu cunho, e por isso é que se calhar nós poderemos, e estamos a trabalhar um bocado nos dois sentidos: temos este formato de banda, completo, que é uma orquestração, é uma coisa mais em formato que pode, lá está, graças a deus, pisar um TRC [Teatro Ribeiro Conceição], e temos um formato mais íntimo, para ser ouvido noutro contexto. Queremos apostar nisso e o nosso trabalho no álbum está-se a desenvolver nesse sentido para que… Gostas do disco? É fixe! Mas agora vai ouvir ao vivo.

Vocês falam de risco na vossa descrição do Bandcamp, têm uma música sobre expectativas… É curioso porque essa música, muito chill, chega ao fim e para terminar tem um coro masculino, que quebra com a norma “estamos num modo chill então vamos pôr um coro feminino”, estás a perceber? É esse abanão que tu queres dar, por exemplo, ao pegares num projecto intimista que começaste a solo, e de repente vais apresentá-lo em palco com uma banda?

Manel: Eu posso ser o mais honesto possível quando vos digo o contexto de Expectations. Nós estávamos aqui no Old a beber uns copos e éramos para aí uns dez. Eram para aí três da manhã e eu disse assim: Ó pessoal eu tinha aí umas ideias pá, de gravarmos um coro… o que é que vocês acham? E o pessoal: Bora lá! Mas essa parte masculina é importante, porque, reparem, existe uma mulher e existem dez homens, quem ganha no final é a mulher, é incrível não é? É essa a lingerie de Morsa.

Daniela: A lingerie de Morsa… Acho que é um bom tema. Sim, mas não queria deixar de frisar que a nossa formação como banda não é Morsa e os amigos, é Morsa igual, é só uma Morsa diferente, com um intuito diferente. Nós queríamos ter essa dualidade e essa elasticidade, de podermos moldar as coisas de maneira a não soar ao EP, não soar sempre ao EP, não soar sempre a eu e ele e não soar sempre a Morsa com banda.

Manel: Dar essa versatilidade.

Danela: Sim, sim, eu acho que as coisas neste momento funcionam de maneira muito rápida, as pessoas cansam-se de tudo muito facilmente. Não é que eu concorde com esse estilo de pensamento e de vida, mas acho que quanto mais plásticos e moldáveis nós formos, menos as esquinas da vida nos vão dar problemas.

Então para este LP, que estão a preparar agora, podemos esperar uma mudança de direcção ou uma evolução face ao que era Morsa no EP?

Daniela e Manel: Nós mudamos sempre de direcção.

Daniela: É, nós temos um bocado de défice de atenção nas coisas que fazemos. Eu quero acreditar que começa a haver um cunho, independentemente das misturas que estamos a fazer, porque nós tentamos sempre fazer coisas diferentes, nem que seja para não nos aborrecermos, não é?

Manel: Que alguém oiça e diga “isto é Morsa”. Esperem esquizofrenia musical, de certo, há sempre lugar para isso. O próprio EP começa numa ponta, acaba noutra, e muitas vezes pode não haver grande coerência por ali. Já nos acusaram do EP não ser conciso, de não fazer sentido. E eu acho que isso é um grande elogio, percebes? Se calhar é das melhores coisas que nos podem dizer.

Daniela: A melhor coisas que me podem dizer a mim sobre Morsa é “Ai, eu não sei em que estilo vos encaixar!”. Para mim é… fantástico, porque a ideia é mesmo essa, nós não temos de ficar presos a barreiras, não faz sentido nenhum, não é?

Manel: Fazemos aquilo que gostamos.

Daniela: Nós somos tão permeáveis a influências! Toda a gente é! Uns admitem outros não.

Manel: Nós admitimos claramente! Vamos buscar o melhor mundo de Pink Floyd, meter com Hip-Hop dos anos 90 e se calhar puxar um bocado aos Deftones que nos vieram trazer qualquer coisa, sei lá…

Daniela: Nós estamos é a fazer música que nos dá prazer, e é essa a nossa motivação.

Manel: E que as pessoas gostem, que faça sentir alguma coisa.

Estavam a falar dessa noite de copos no Old Rock, em que planearam um coro. Vocês trabalham num meio muito particular, que é o seio da Zigur. Qual é a influência que isso tem? Passa por ser um trabalho quase em família, num contexto de colaborações?

Daniela: Sim, sem dúvida.

Manel: A Zigur para nós é tipo uma grande paixão. Nós temos várias vertentes, se calhar a mais visível neste momento é organizarmos o festival, organizar novas tendências, mas também temos uma net label. O curioso é que qualquer pessoa que entrar na net label e vir qualquer um dos discos, vê que estamos todos lá de alguma forma.

Daniela: Eu gosto de lhe chamar promiscuidade musical! Andamos todos um bocado uns com os outros.

Manel: Porque se calhar estamos a fazer o álbum de Morsa, mas por exemplo, eu e o Ricardo, que é o baterista que está a tocar em Morsa, vamos fazer a masterização do álbum de Tales and Melodies. E é isso, acho que o que nos move é o amor, por várias coisas, uns pelos outros, e pela música, que as coisas aconteçam. E está a acontecer com amor, de outra forma não fazia sentido.

Para terminar, fazem ideia de quantas pessoas googlaram as coordenadas da primeira faixa do EP?

Daniela: Olha, essa é uma boa pergunta. Vamos calcular por download, não é? O nosso maior sucesso em termos de downloads foi o Free Music Archive.

Manel: Quando estou muito triste e o dia me correu mal, vou ao Free Music Archive.

Daniela: Isto porque uma das nossas filosofias enquanto ZigurArtists é usar a Creative Commons como base de divulgação. E o que acontece é que a música fica passível de ser reproduzida desde que haja créditos, portanto, não pode ser copiada nem alterada para fins lucrativos mas…

Manel: Se quiserem remisturar as músicas, estão à vontade!

Daniela: Exactamente, então a cena mais engraçada que aconteceu foi que para além das pessoas googlarem as coordenadas, acabaram por usar a nossa música nos contextos mais incríveis em vídeos do YouTube. Desde hamburguers, a máquinas fotográficas…

Manel: A luta pelos animais… E no meio disso tudo temos uma coisa de que nos orgulhamos bastante, que é uma rapariga, salvo erro, da Dinamarca, que nos contactou, [a informar que] o EP é basicamente a banda sonora de um short film que ela fez, no âmbito escolar, e que é incrível, chama-se Flawless. Quando vimos isso, tanto pela filosofia de Morsa como da ZigurArtists, foi alto sentimento de dever cumprido, que era isto que nós queríamos: música universal. Já não faz nenhum sentido hoje em dia termos de pagar. Nós fazemos isto para que as pessoas ouçam, simplesmente.

Daniela: Claro, e a parte de estar tudo extremamente facilitado. Quer dizer, a gente chega a casa das pessoas, salvo seja.

Manel: De forma menos invasiva possível, é opção!

Daniela: Sim, exactamente, mas a ainda a propósito do Flawless, uma vez disseram-nos, e eu fiquei muito contente com esse comentário, que Morsa é um bocadinho cinematográfico, ou seja, é fácil criar um mundo imagético à volta de Morsa. Isso deixou-me extremamente feliz, porque eu penso assim quando escrevo música. O Manel está mais relacionado com a parte de orquestração, a parte instrumental, eu estou mais ligada à parte melódica e lírica, o que não quer dizer que isto não troque!, mas regra geral é assim que temos funcionado e é assim que funcionamos bem. E eu da maneira como escrevo a letra e como vejo a música, o Manel mostra-ma, quase em cru, por alterar, a mim traz-me imagens. Portanto, eu já tenho essa experiência cinematográfica antes de a música estar acabada. E é baseada nessas imagens que eu faço todo o resto do trabalho.

Manel: E acerca disso eu só tenho de plagiar alguém, que por acaso é uma das nossas grandes influências, que é Flying Lotus, que disse uma das frases relativamente à música que ele faz, que é quando crescemos obrigaram-nos a pensar e a fazer com que parássemos de sonhar – nós estamos aqui para contrariar isso.

Vamos continuar a lançar artigos e entrevistas sobre o TRC Zigurfest nos próximos dias, quer dizer, Lamego não cabe assim em duas ou três frases!

Comentários

  1. […] variadas casas de pasto, mas as nossas atenções não estão nem em Alvalade nem na Síria, há Morsa a subir ao palco do TRC e nós queremos lá estar. Inicialmente, Morsa era só o Manel. Depois […]

  2. […] impressões do TRC Zigurfest no rescaldo e nas entrevistas com Morsa, Mr. Herbert Quain e André Simão (Black Bombaim + La La La […]