A Midnight in Buenos Aires | Fiz tantas vezes esta estrada

(…esta estrada, amoras e fotografias, repito.)

Entro no carro, o banco chegado para a frente, demasiado para a frente. Tamanhos pequenos obrigam a medidas extenuantes. Ligo o rádio, a estação é sempre a mesma, nada de novo, nada de jeito, são muitas vozes estridentes para esta viagem. O momento é solene.

Volto ao simples, o meu velho CD dos Beatles, estou na minha zona de conforto e os meus ouvidos estão seguros. Os Beatles sempre trataram bem de mim.
Arranco, fiz demasiadas vezes esta estrada. Fiz, realmente, demasiadas vezes esta estrada.
A minha mãe diz-me que esta estrada tem vinte e tal anos, trinta, um dois três. A minha mãe também me diz, olha para a linha branca para não enjoares. Olha para a linha branca para não enjoares. Gosto de bons conselhos.

Contas poucos certas, os tempos são outros, recordo-me de muito, recordo-me de muito de tão pouco. O que é bom de recordar, o que é mau também cá está. Ultrapasso um carro, gosto da estrada só para mim, a calmaria de uma via vazia, a linha branca hipnótica e eu. Eu e os Beatles. Penso quantas recordações podemos ter uma viagem, de uma estrada, de um percurso com os quilómetros contados, da rotina daqueles tempos. Essa que já lá vai, essa mesma, essa de que tenho saudades.

Percorri esta estrada centenas de vezes, milhares e milhares. Um dia vou chegar ao milhão.

Fiz tantas vezes esta viagem. Fiz viagens que queria e tinha que fazer, a ânsia de chegar, a impaciência daqueles vinte e seis minutos. Eu e os Beatles. Tinha que chegar depressa, ver o Alvão à distância de um braço, sentir a respiração a falhar por breves segundos. Sabia que estava bem. Tinha chegado ao que em tempos foi a minha cidade. Pretensiosamente ainda digo, ainda digo que é a minha cidade. A minha cidade que aprendia a gostar ao longo dos anos e com todos os lugares-comuns que podemos dizer sobre as ruas que gostamos de passear, as esplanadas que gostamos de estar, os amigos que não queremos deixar, os beijos, os mil e um abraços, todos os sorrisos das coisas bonitas.

Fiz tantas vezes esta viagem. Desta vez, o Harrison afina e eu penso em todas as viagens que não queria fazer, viagens na expectativa, viagens em silêncio, viagens em que todos os invernos estavam de mão dada comigo, viagens em que o carro era um lugar demasiado grande para mim. Repito uma e outra vez, os Beatles sempre trataram de mim.

Depois foram aquelas viagens que não me lembro de ter feito, quando a rotina tomava conta de mim e sabia que às sete e vinte em ponto, noite já alta, estava a passar naquele exato cruzamento. O mesmo de todos os dias, sem a ajuda dos contadores de tempo, eu sabia.

Continuo a fazer esta estrada. Toca a Norwegian Wood, vejo o Alvão lá ao fundo. Sei que estou bem.

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