Eleições e pouco mais

Este foi o ano em que se decidiu fazer de conta que não existem eleições. Refiro-me ao blackout completamente sem nexo a que os media foram forçados. Alguém se lembrou que os Manuel Almeidas deste país também merecem tempo de antena, não contando com a internet, onde o indivíduo em causa ganhou todos os campeonatos de audiências. Os problemas da democracia são estes, em que a própria tem de ser questionada e criticada, sem nunca ser posta em causa, de forma a que o bom-senso reine no fim. Mas estando em Portugal, não é preciso dizer muito mais. Aliás, tratando-se de eleições autárquicas… vocês percebem.

Talvez haja nisto tudo uma certa lógica, pois as autárquicas são, sem dúvida alguma, o retrato real deste país. É nestas campanhas que se nota que sim, há pequenas e grandes terras, pequenos e grandes partidos, pequenas e grandes mentalidades. Dou um exemplo prático, muito rapidamente. Em Vila Real, foi com muita mais facilidade que encontrei os contactos de e-mail para os dois “grandes” partidos do poder, PSD e PS, do que para os chamados “pequenos”, para os quais apenas encontrei formas de comunicar (e más formas, diga-se) com sedes regionais ou até nacionais. E caso estas linhas de contacto directas até existam, o problema é igualmente grave, pois eu como eleitor não devo ser obrigado a desesperar na sua procura, elas têm de estar explícitas em todo o material de campanha que eu vejo à minha frente. Ao não estarem, gera-se um processo de comunicação unidireccional, desactualizado e até pouco democrático, que os partidos “grandes” sabem, inteligentemente, evitar. No caso do candidato do CDS, Jorge Pinho, o cartaz incluía o endereço de um website (jorgepinho2013.pt), que ao inserirmos no browser de internet nos enviava para a sua página de facebook, onde, adivinhem…, não existia qualquer tipo de endereço de e-mail, número de telefone ou morada. Se os media podem ser acusados de criarem desinformação, mesmo que não se lhes possa atribuir a totalidade da culpa, os próprios partidos têm de ser responsabilizados pela mudez geral que existe à volta destas eleições. Casos como a página de facebook “Tesourinhos das Autárquicas” vieram não mostrar nada de novo, mas mostrar que a ridicularidade destas eleições tem proporções gigantescas, expondo um país democraticamente insano e carente. Um país onde a cultura visual não existe fora dos grandes centros, onde os candidatos a cargos políticos não sabem o que é um designer, onde a velha lengalenga do sobrinho que “até tem jeito no Photoshop” acontece realmente.

Com toda esta desinformação/contra-informação, foi com agrado que soube (em cima da hora, é verdade) do debate promovido pelo Porto Canal e pelo Jornal de Notícias, com os candidatos à CMVR, à semelhança do que foi feito pelas mesmas entidades noutros concelhos do país. Não sendo um analista político, não quero fazer aqui uma análise do debate. Não quero falar das águas, dos pólos culturais nem do estacionamento. Quero falar de duas horas de retórica barata e vergonha alheia. Duas horas em que até nas questões mais pragmáticas se consegue extrapolar o discurso para filosofias baratas e acusações repetitivas. Duas horas de “parlamento dos pequeninos”, com crispações desnecessárias, chavões aborrecidos e promessas descabidas. Duas horas de claques na assistência, que não aplaudiram os espirros do seu protegido porque nenhum dos candidatos estava constipado. Duas horas em que as pessoas apenas eram utilizadas como acessórios argumentativos para falar de coisas maiores como “turismo” e “empresas” e “poder central”. Duas horas de desmarcações: do governo, dos antecessores, dos vindouros, dos adversários, do passado, futuro, presente e condicional. Duas horas de gente a tentar ser maior do que é e, acima de tudo, do que precisa de ser para fazer um bom trabalho pela autarquia. Continuam a gozar o comum mortal, o “zé” que estuda, trabalha e vota, porque o seu voto é garantido. Uma nova névoa de desinformação é criada na discussão directa com os candidatos. Cria-se um padrão, as coisas não acontecem por acaso — a Novilíngua já não é apenas um delírio “orwelliano”.

Façamos de conta que não sabemos quem vai ganhar. Deste ou daquele partido, à direita ou à esquerda, façamos de conta que acreditamos em tudo o que nos prometem. Circuito, água de graça, o Pioledo alcatifado pelo bem dos cidadãos. Façamos de conta, então, e estas duas horas talvez façam sentido. No dia 28 vou fazer cinco horas de autocarro para no Domingo votar mal informado e desiludido. Cinco horas de viagem para exercer um direito e dever que me revolta pelo desrespeito de que é alvo.

Imagem: Alexander Rodchenko, desenho para o clube de trabalhadores, instalação da Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas de Paris, 1925