A festa do vale tudo no rescaldo das autárquicas

Ah campanha eleitoral! Que festivos dias vivemos! Ainda só ia nas primeiras linhas e já um carro de campanha de um dos partidos passava pela minha porta. Em ressaca das autárquicas sentimo-nos ligeiramente atordoados, depois de tanta festa, de tanto frenesim, papéis pelo ar, novelas mexicanas e as olimpíadas da criatividade facilitista. Agora já acabou, passou a febre, e é impossível não sentir que daqui a quatro anos toda a gente se esqueceu e os cartazes continuarão a ser maus, as estratégias piores e a falta de comunicação um dado adquirido. Podemos começar pelo dito carro que aqui passava: todos os anos desde que existimos eles existem também, carros de megafones do século passado no tejadilho, no volume máximo, quase com distorção, em que de dez palavras se percebem duas, e não resultam. Existe um nome mais certo para eles: poluição sonora. Mas prosseguiram assim, volta e meia, um, dois, três ou a chamada caravana passava por aqui a apitar como se o circo tivesse voltado a Lamego. Slogans manhosos e pouco criativos, lançados a uma velocidade que não passa os trinta quilómetros por hora, intensificando o trânsito, fazendo perder a cabeça a alguns condutores mais impacientes, como por exemplo, eu.

O primeiro ponto importante é perceber que a campanha política não é uma festa, ou não devia ser uma festa. A campanha política não é um divertimento, não são apertos de mãos, beijinhos, e abraços às pessoas que lhes vão aparecendo à frente. Não é oferecer canetas, camisolas, lápis, chapéus e balões. Isso fazia eu no liceu, quando com alguns amigos me candidatava à Associação de Estudantes. Aí sim, as pastilhas, as t-shirts, as canetas e afins, faziam sentido. Tentar convencer miúdos do sétimo a votar em nós era muito mais fácil com chocolates do que se disséssemos que íamos implementar a semana cultural. (Ou talvez o amor populista e a adoração por coisas grátis seja superior a qualquer promessa, no sétimo ano e para sempre. Idealmente seríamos nós que, nestas eleições estudantis precoces, não deviamos especular com mentes malignas, estimulando a discussão em vez da oferta, mas como se interessam adolescentes dos 12 aos 15 por política sem que a realidade transforme esses votantes em crianças grandes fãs de bandeiras, bonés e fitas ao pescoço, tudo a condizer e quanto mais melhor).

O candidato que achava mesmo que ia vencer

O segundo ponto importante é aproveitar a oportunidade única de observar algumas espécies raras que só aparecem de quatro em quatro anos, lembram-nos de que não estão extintas, só foram tirar umas férias. Não falamos dos candidatos especiais — o que achava que ia vencer, o que acreditava conseguir fazer uma campanha sem brindes, o que escolheu slogans sentimentais. Falamos por exemplo, da passadeira, ou passeos peanos. Sim, essa ajuda preciosa do peão que subitamente é repintada a duas semanas das eleições, faça chuva ou faça sol. Outra é o alcatroamento das estradas (altcatroa estradex). Os buracos nas estradas têm de repente solução, os desnivelamentos, lombas e depressões têm resolução, mas que essa descoberta só é feita por esta altura. Um mistério e ao mesmo tempo um gozo. Durante largos meses e até anos, vemos as estradas a ficarem completamente esburacadas, chegando ao ponto de autoflagelarmos o nosso pobre carro. Chove e os buracos aumentam de tamanho, remendo aqui remendo ali, e dias depois volta tudo à estaca do buraco. Não percebemos, rimo-nos, gritamos asneiras, chega a uma altura que já dá para tudo. Duas semanas antes das eleições eis que aparece o alcatrão. As pessoas comentam, riem-se mas não se perguntam porque é que não foram alcatroadas antes. Eu pergunto. Eu pergunto, porque é que tive de gastar mais não sei quantos euros num pneu, ou numa suspensão nova, quando a resolução do problema estava ali à mão de alcatroar?

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Este ano as campanhas políticas “evoluíram” (notaram as aspas?) para outras plataformas. O facebook foi algo indispensável em 2013, seja para a troca de ideias e promovendo o debate, seja para a troca de insultos porque é algo com que se passa bem o tempo, seja para termos uma maior noção da comédia que marcou estas autárquicas. A página dos Tesourinhos das Autárquicas 2013, que conta já com mais de 120 mil gostos, diverte-me. Diverte-me, não me vou aqui fazer de forte, não vou ser hipócrita, a coisa tem piada. Foi através da página que Manuel Almeida, candidato à câmara de Vila Nova de Gaia, saltou para a ribalta. O vídeo de apresentação da candidatura do mesmo fez-me rir, fez e muito, mas também me fez pensar que tinha folhas de papel a cortar-me a entre os dedos dos pés, tal era a vergonha alheia que me fez sentir. Um candidato que quer formar ninjas para ajudar a polícia que só anda à caça da multa é um candidato corajoso, sem sombra de dúvidas, mas será também um candidato parvo e sem qualquer noção da realidade em que vive.
Posteriormente, foi o vídeo publicado na página do candidato do PSD/CDS, à Câmara de Lamego, Francisco Lopes, que fez as delícias de muitos. Uma jovem, de vestido curto laranja e pose insinuante, explica que a sua primeira vez será dia 29 de setembro ao votar numa pessoa “que sabe o que faz” e que é “sexy”: Francisco Lopes. Logo uma chuva de comentários se fez abater: uns dizem que é uma vergonha, um ultraje, um exagero, uma não necessidade de chegar a este ponto, outros dizem que quem diz isso é porque não tem abertura de mente, outros dizem ainda que nunca na vida será a primeira vez dela, se é que me entendem. Da miúda nada se sabe, apenas que eliminou a sua conta do facebook.
Em suma, como disse o Guilherme: “casos como a página de facebook “Tesourinhos das Autárquicas” vieram não mostrar nada de novo, mas mostrar que a ridicularidade destas eleições tem proporções gigantescas, expondo um país democraticamente insano e carente.”

Sempre gostei de política, mas a verdade é que nos últimos anos tenho perdido o interesse nesta área. A vergonha acabou, não existe vergonha em Portugal. É o vale tudo. Não vou falar aqui nos demasiados escândalos políticos deste país, toda a gente os conhece e bastava escrever aqui três palavras como submarinos, swaps e TGV para nos envergonharmos e sentirmos a maior raiva. Bastou perdermos alguns minutos a navegar por páginas de facebook de candidatos e reparámos que argumentação fica para segundo plano. E mesmo quando se é sincero fica aquela ideia no ar de que algo vai mesmo muito mal.

a referência ao especialista em doenças tropicais, um médico brasileiro. Comentário algo xenófobo e desnecessário.

A referência ao especialista em doenças tropicais, um médico brasileiro. Comentário algo xenófobo e desnecessário.

Foi por aqui que andou a nossa campanha política. E é triste. Até agora só me chegaram até casa papéis com os nomes dos candidatos das listas. Um papel que tenha dez ideias para o futuro de Lamego? Nada. Não sei nem soube quais eram os planos de cada lista, não soube o que pretendiam fazer, sei que o que queriam era ganhar. O cepticismo impede-me de acreditar que alguém tenha aprendido seja o que for com esta feira popular habilmente iluminada, que daqui a quatro anos não será diferente: cavalinhos e carrosséis alinhados para mais uma volta de política psicadélica. Queriam e vão querer festejar e não sei porquê, eu olho para tudo e não consigo ver uma única razão para se fazer a festa com isto.