Onde estará o 25 de Abril?

Como faço parte do decrescente um terço de portugueses que pode responder à pergunta «onde estava no “25 de Abril”?», devo dizer que, à data, cumpria o “serviço de guerra”, no nordeste de Moçambique, e de política apenas conhecia algumas canções do Zeca Afonso, para além de um crónico desconforto em lidar com a autoridade. Só um ano mais tarde, estudante em Coimbra, fui iniciado às manhas (sem til) da democracia. A ‘revolução’, por assim dizer, veio na hora certa do meu próprio tempo, alimentando(-se) (d)a utopia da juventude.

Desde esse ‘período revolucionário’, cujo principal encanto provinha de não saber o que iria acontecer a seguir, fui-me conformando com a visão de um mundo apenas um pouco diferente e de um regime cada vez mais previsível, e com a recordação nostálgica de um tempo em que tudo parecia possível.

Tahrir Square, 29 de Junho 2011

Tahrir Square, Cairo, 29 de Junho 2011

Pouco dado a comemorações, interrogo-me agora se aqueles a quem não se coloca a consagrada pergunta de Batista-Bastos terão também o seu ‘período revolucionário’, a sua utopia com história para contar aos netos. Sendo otimista, quero crer que sim.

É que este regime, o das democracias ocidentais, que entre nós dura há quarenta anos, e que, segundo Piketty (1), tão bem tem servido o “capital patrimonial”, parece estar a esgotar-se. Por todo o lado se generaliza o descrédito nas instituições e nas instâncias políticas e se constituem formas de intervenção alternativas (2). Em Portugal, por exemplo, segundo dados de uma sondagem recente, «o desagrado para com o estado da democracia, passados 40 anos da sua implementação, é um sentimento transversal a todos os grupos etários, para perfazer um total de 83% de inquiridos descontentes com o atual mecanismo democrático» (3).

Segundo o criador da “Escola de Redes” (4) a última década conheceu formas de manifestação pública, em diversos países, que serão totalmente distintas das formas precedentes, nomeadamente pela sua espontaneidade – não resultando da mobilização partidária ou de outras organizações políticas, como sindicatos – e uma dimensão nunca antes alcançada:

 

 

Além de que a “Net generation” (nascidos de 1978 a 1997), que segundo o autor de “Wikinomics” (5) é a primeira verdadeiramente global e apresenta pelo menos oito normas diferentes da geração precedente (geração X) – liberdade, personalização, escrutínio, integridade, colaboração, diversão, velocidade e entretenimento – não parece poder enquadrar-se nas velhas fórmulas da ‘participação’, próprias da democracia representativa.

Ninguém poderá prever, ao certo, os próximos quarenta anos, nem o quê, nem quando, nem como. Mas parece que, na ‘bola azul’ que não para de girar, continuarão a emergir epifanias nunca antes vistas, e quiçá uma outra democracia venha a caminho. Pena será se, tardando, alguma geração vier a perder a oportunidade de viver o seu “25 de Abril”.

 


(1) “Le capital au 21e siècle” (T. Piketty, 2013, Seuil); “Capital in the 21st century” (Harvard University Press, 2014). Ver ainda artigo em http://piketty.pse.ens.fr/fr/articles-de-presse/77
(2) “Counter-democracy: Politics in an Age of Distrust” (P. Rosanvallon, Cambridge University Press, 2008). Ver resumos
(3) via rtp (http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=732245&tm=9&layout=121&visual=49)

(4) Augusto de Franco — http://escoladeredes.net/
(5) Don Tapscott — http://dontapscott.com/ — em diálogo com Clay Shirky: http://designmind.frogdesign.com/articles/radical-openness/tapscott-vs-shirky.html